
Andei pensando uma coisa. A época em que vivemos é contraditória. Afinal não há como deixar de se notar que no mundo atual se abrem uma série de intensos conflitos no espírito humano. Ou em outras palavras: uma crise.
E não é muito difícil de confirmar isso. Basta olhar em volta: uns buscando resolubilidade em psicoterapias, outros na religião, alguns em livros de auto-ajuda, outros em elaborações intelectuais. Mas mesmo assim muitos ainda meio perdidos ou em um desespero silencioso. Confirmando então que vivem em crise — e daqueles tipos de crises que os levam na busca por novos valores que norteiem suas vidas e lhes deem algum propósito do porque viver.
Em verdade, quem sabe, o grande problema humano sempre resida justo nisso: no significado da vida. Todos se deparam com essa questão e todos, de uma maneira ou de outra, acabam buscando tal sentido por meio da ciência, da crença em algo ou mesmo da filosofia. Mas isso também são apenas exemplos. A primeira pergunta que fica então de verdade é a seguinte: tendo tudo isso ao seu favor, como pode ainda o ser humano se enlouquecer por falta de direção ou mesmo propósito? A segunda: por que estou falando disso?
Bem, respondo pelo menos a segunda questão com o seguinte: sou um grande fã do filósofo Albert Camus, e não me esqueço que quanto ao sentido da vida ele quis, ao modo dele, inverter tal questão. Para ele a vida não tem sentido – pelo menos não um sentido exterior. Em verdade, para Camus a vida mais bem vivida seria aquela quanto menos sentido tivesse. É claro, lendo isso superficialmente parece estranho, mas não é. Para ele a vida é absurda, a condição humana é permeada por isso, ou em outras palavras, é contraditória. E em especial no seguinte ponto: que a razão humana mesmo desejando jamais tudo compreende devido a um universo que de tão vasto se impede de ser plenamente compreendido. Tentamos e tentamos entender tudo, a vida em sua totalidade, seu sentido, mas isso é demais para entendermos. Eis o absurdo: a defasagem entre aquilo que desejamos, a vida real e nossa limitada capacidade de compreender a realidade. Como, por exemplo, quando saímos do trabalho ao final do dia querendo logo chegar as nossas casas e ficamos presos em um transito infernal — aliás, passo por isso quase todos os dias.
E por isso da mesma forma então como pensou Camus, enquanto refletia sobre o absurdo, penso em Sísifo. Aquele mortal, de umas das várias histórias da mitologia grega, condenado pelos deuses a rolar uma pedra eternamente montanha a cima para vê-la rolar ao chão e iniciar sua tarefa infinitas vezes mais. Que relação teria ele com o absurdo? Tudo. Por ser uma tarefa extenuante e sem sentido — da mesma forma como a vida humana é, uma luta constante pela busca da realização, que é efêmera, de algo.
Porém, não por ventura então que mesmo pensando em Sisífo, diz Camus, é preciso ainda sim imaginá-lo feliz. Que apesar de se ver obrigado a sua cansativa tarefa com sua pedra, dela, dessa sua sina, ainda sim extrai alegria. E por quê? Bem, tal mito não passa de uma alegoria que visa refletir o cotidiano humano: pessoas, como o herói grego, fazendo praticamente todos os dias às mesmas coisas, vivendo por vezes uma rotina quase inabalável – rolando também suas rochas. Entretanto, talvez seja boba essa linha de pensamento, mas quem sabe que seriam tais pedras, por vezes, senão um objetivo ou mesmo um sonho a ser alcançado? A vida pode até não ter sentido, um sentido exterior que sejamos capazes de compreender, mas isso não impede que ninguém por si só, a partir de si, dê um sentido para si mesmo e sua própria vida.
Com isso a lição de Camus para o absurdo — ou mesmo como sugeri no início, em crise — homem moderno talvez então resida em demonstrar sua fragilidade, as dicotomias que permeiam sua vida, suas limitações, a necessidade de se viver o presente e compreender que os sentidos da vida se encerram naquele que os confere — algo de certo modo até mesmo óbvio, mas que poucos realmente têm verdadeira consciência ou vivem. Em outras palavras: olha, nem tudo precisa fazer sentido, então relaxe e aproveite o dia a dia, sua jornada.
O que mais posso dizer desse filósofo que já li uns livros e considero pra caramba? Bem, faleceu no inicio dos anos 60 em uma viagem de carro a Paris. O automóvel no qual viajava se desgovernou e bateu em uma árvore matando-o. Uma morte trágica e insensata. Era jovem, tinha 47 anos incompletos, muitos livros por escrever, três anos antes havia recebido o Nobel. Sem dúvida uma morte incompreensível, ou usando uma palavra tão comum a ele, absurda. De toda forma deixou seu legado, em seus escritos uma tentativa sincera de ajudar o ser humano a lapidar-se. Não é a toa que certa vez quando questionado sobre o futuro da humanidade e sobre o que fazer para se conseguir um mundo menos oprimido pela necessidade e mais livre, simplesmente respondeu:
— Dar, quando possível. E não odiar, se possível.