AGÁ: um romance brasileiro como sátira aos fascismos

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AGÁ: um romance brasileiro como sátira aos fascismos

AGÁ, último romance publicado em vida por Hermilo Borba Filho, é uma sátira a todos os fascismos.

Reedição da obra faz compilações - Revista Continente
Hermilo, foto divulgação.

AGÁ: um narrador moderno

A primeira edição de AGÁ foi publicada em 1974 com várias de suas partes autocensuradas. À edição, Hermilo deu o nome de versão “cor-de-rosa”, numa ironia com a sua própria tentativa de suavizar as páginas do livro.

Em 2019, surge uma nova edição de AGÁ. Agora, não teríamos apenas a versão cor-de-rosa. A segunda edição do romance ganha a alcunha de “Versão Vermelha”, publicada com um capítulo extra que, na década de 70, foi retirado antes da publicação do livro, além de contar com um trabalho gráfico que ressaltar um vermelho sangrento.

O narrador de AGÁ é o personagem “Hermilo”. Ele se divide em várias personas ao longo do romance para narrar histórias que, a princípio, possuem a autonomia de contos, mas que, por outro lado, compõem uma unidade estilística em relação ao narrador e aos seus temas: o horror das violências, as ditaduras latino-americanas e a ambiguidade do mal.

Depois de cravar seu nome na história do teatro brasileiro, como um dos seus maiores teóricos, diretores e criadores, Hermilo Borba Filho levava a cabo sua tarefa de trazer novos ares de modernidade para o “romance nordestino” ou “romance regionalista”, uma tendência romanesca consolidada em livros como “A bagaceira” (1928), do escritor José Américo de Almeida.

Em AGÁ, último romance do autor, vemos uma narração que segue um estilo febril, verborrágico e enciclopédico, com parágrafos que por vezes tomam páginas inteiras, fileiras de nomes de autores e personagens que influenciaram a trajetória artística do narrador: Homero, Eliot, Rabelais, Modigliani, Ignazio Silone, Louis-Ferdinand Céline, Ofélia e tantos outros. Impossível, também, não perceber a forte influência dos autores do realismo maravilhosos e do surrealismo sobre AGÁ. Em linhas muito gerais, arriscaria dizer que Hermilo chegava ali ao ápice do seu projeto estético enquanto romancista.

Nas sombras do progresso

Todas as personagens de AGÁ — que na verdade são várias personas de um único personagem-narrador chamado Hermilo — vivem sob regimes ditatoriais e possuem uma relação ambígua com o poder na América Latina.

O livro começa com uma epígrafe sugestiva de Martin Luther King, “Aquele que aceita o mal sem protestar está realmente cooperando com ele”, e os vários Hermilos reconhecem que cada um deles carrega um pouco do mal dentro de si.

“Tenho uma secreta simpatia pelos traidores porque, na realidade, são uns corajosos. E lhe digo mais: minha simpatia se estende aos assassinos, ladrões, pederastas, às prostitutas, aos traficantes e libertinos, que todos eles estão necessitados de Redenção.”

Na primeira parte do livro, chamada de “Hoje é sexta-feira”, o personagem Hermilo se encontra cara a cara com vários personagens centrais da história. Dentre eles, Adolf Hitler.

Ao se deparar com o ditador do alemão, Hermilo demonstra saber que a responsabilidade por Auschwitz, e por todas as mortes cometidas pelo nazifascismo, também são de quem contribuiu para a crise com a omissão, silêncio e a covardia, isto é, os próprios alemães.

Não à toa, as personas de Hermilo em AGÁ optam pela omissão, pelo silêncio e pela covardia diante da locomotiva de mortes e torturas das ditaduras latino-americanas, crimes cometidos em nome de uma racionalidade e de uma espécie de “homem científico” que reverberava no imaginário estético do ocidente e parece ganhar hegemonia no nazifascismo.

Os “agás” são intelectuais, políticos e embaixadores. Personagens que fazem parte de uma cultura letrada. A perversidade, no entanto, não deixa de ser algo latente em todos eles.

Em AGÁ, a cultura, as letras, o logos servem menos como instrumento civilizador e mais como um braço armado da barbárie.

Referências:

BORBA FILHO, Hermilo. Agá. 2 ed. Recife: Cepe, 2019

Créditos HL

O texto acima é de autoria de Raphael Alves. Foi revisado por Evandro Pedro Konkel e editado por Mario Filipe Cavalcanti, Editor-chefe do Homo Literatus.

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