O país germânico nunca foi tão popular entre os escritores brasileiros
Malgrado o sonoro sete a um aplicado no lombo da nação tupiniquim (sic) na última Copa do Mundo, a Alemanha parece ser uma referência constante por aqui. Ao menos na literatura. Aparentemente, nenhum motivo explicaria essa conexão com o país germânico, que, fora o futebol, não vem chamando a atenção em nenhuma outra esfera – a força econômica alemã é uma realidade há décadas, mesmo o país tendo passado o que passou no século XX, ou seja, não é novidade, nem explicaria a chuva de referências na esfera literária. Algumas pessoas, aquelas que gostam de explicações do rol psicanalítico, afirmariam, sem sombra de dúvidas, que falar do problema já é o começo da própria cura. Em outras palavras, falar da Alemanha seria um processo de autossuperação após o trauma do Mineiraço – deveríamos falar mais do Uruguai, porque parece que o Maracanaço ainda não foi ressimbolizado. Outros dirão que a Alemanha é somente um dos galhos da pluralidade da literatura contemporânea brasileira, com uma tendência à globalização.
Em todo caso, a Alemanha nunca esteve tão presente nas letras nacionais, embora haja exemplos anteriores. É o caso de Um brasileiro em Berlim, de João Ubaldo Ribeiro, livro lançado em 1995, crônicas que o autor escreveu para jornal quando morou na capital alemã por um ano, após ter ganhado uma bolsa do governo.
Em 2013, ainda antes da sonora sapecada que levamos, Marcos Peres lançou o polêmico O evangelho segundo Hitler, título mais potente que tiro à queima roupa. O livro do paranaense estreante nas letras fez deveras um sonoro barulho na época – e ainda vem fazendo. Seu mote é inspirado em um conto do argentino Jorge Luís Borges. Borges inclusive é personagem do romance, porém o protagonista é outro, um homônimo poeta desconhecido, um outro Jorge Luís Borges que teria, sem querer, ajudado a criar o nazismo.
Em 2014, Chico Buarque lançou seu quinto romance intitulado O irmão alemão, uma obra que parte de um mote biográfico – seu pai teve um filho bastardo quando morou na Alemanha. Chico Buarque não chegou a conhecer o irmão, pois o alemão morrera nos anos 1980, mas acabou conhecendo a família dele. Esse é o mote principal da narrativa na qual Chico, talvez dentro da vertente mais pulsante dos últimos tempos na literatura nacional, brinca com o limiar entre ficção e realidade, entre história e autoficção. O romance se passa quase em sua totalidade em terras brasileiras, só no último capítulo é que o protagonista então aterrissa em terras germânicas.
Agora, em 2015, Miguel Sanches Neto lança A Segunda Pátria, uma metaficção historiográfica mesclada à ficção científica que parece ser bem interessante. A história parte de um universo paralelo: uma aliança entre Brasil e Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Fica a pergunta: como seria morar em um país dominado por Hitler? Será que os problemas aqui seriam judeus ou negros? Veremos quando o livro for lançado, nas próximas semanas. Qual seria o próximo passo dessa literatura? Seria a história de um torcedor brasileiro que vendeu o carro velho para conseguir atravessar o país e ver a semifinal da Copa do Mundo? Poderia ser também um sul-americano que, sem querer, ajudou a Prússia a unificar a Alemanha? Talvez a história de um escritor alemão xenófobo que descobre que o verdadeiro pai era negro e latino e que teve uma família bastarda entre os trópicos? Ou uma realidade paralela na qual Ângela Merkel é na verdade uma neonazista e instaura, enfim, o Quarto Reich pelo mundo afora? Joguem as cartas, façam as apostas ou, se a ideia lhe valer, tome emprestado e escreva sem nunca se esquecer dos germânicos.