O seriado Penny Dreadful cria drama e horror ao combinar suas múltiplas referências de leitura

“By the pricking of my thumbs, something wicked this way comes”
Uma das interpretações dessa frase do velho Shakeaspeare é “pelas picadas dos meus dedões, algo perverso vem aí”. Fossem apenas os polegares dos personagens, eles ficariam seguros em suas vidas ordinárias e ostentando alguma delicadeza qualquer da era vitoriana. Mas em Penny Dreadful os nervos formigam por motivos nobres.
Como na investigação que abre o seriado, ambientado na Inglaterra do final do século XIX. Sir Malcolm Murray (interpretado por Timothy Dalton) persegue farelos de informações na esperança de encontrar pelo menos uma pista sobre Mina Murray, sua filha. Ao seu lado estão seu fiel guarda-criado-braço direito Sembene (Danny Sapani), com quem desenvolveu uma relação muito particular; e Vanessa Ives (Eva Green), amiga de Mina e também da família, parceira tão presente quanto ambígua. A empreitada se mostra perigosa e os esforços deles insuficientes, tanto que contratam o ‘pistoleiro’ Ethan Chandler (Josh Hartnett), um homem que na percepção de Vanessa esconde muitas habilidades (e por alguma razão ainda mais estranha Ives guarda essa impressão com ela).
Quando a investigação está prestes a ter um fim, o grupo percebe ter entrado em confusões muito piores e que vão além de ter de aceitar o paradeiro de uma pessoa desaparecida. A história que abre a série lentamente se resolve (ou não) e cede espaço a enredos maiores, enfatizando as relações dos personagens entre si e consigo.

O que deveria ser apenas outra noite de gala promovida pelo jovem Dorian Gray (Reeve Carney), um ricaço dado a festas e galanteios inesgotáveis, pode guardar uma sensação de fazer inveja a qualquer ressaca moral – mas Sir Malcolm e Vanessa vão do mesmo jeito. Também somos apresentados ao brilhante doutor Victor Frankenstein (Harry Treadaway), cujos serviços deram resultados tão úteis quanto perturbadores, no mesmo nível de segredos disfarçados com sua arrogância e devoção à ciência.
Batizado em homenagem a revistas baratas impressas na Inglaterra daquele tempo, dedicadas à popularização da leitura entre os menos abastados e carregada de literatura sensacionalista, o seriado Penny Dreadful cria enredos onde drama e terror caminham de mão dadas.
Parte das referências são familiares talvez até para quem não tenha lido as obras cujos personagens são recriados – Frankenstein de Mary Shelley,

Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde, e Mina Harker do Drácula de Bram Stroker, por exemplo; além de poemas de Percy Bysse Shelley, esposo da mãe do livro Frankenstein, recitados por um ilustre errante (que você terá de assistir o seriado para saber quem é) e frases das peças de William Shakespeare às vezes escancaradas nos diálogos. Leituras de outros terrenos também estão presentes, desde cruzes cristãs a um jogo de tarô, hieróglifos inscritos em cadáveres e uma cruza entre latim e grego em rituais e duelos.
Penny Dreadful estreou em 2014 no canal Showtime, teve sua segunda temporada exibida em 2015 e continua em 2016. Particularmente, confesso ter dado uma chance ao seriado pela combinação das origens literárias, mesmo sem conhecer todas tão bem, com horror; encontrei mais do que isso. A ideia não é apenas reunir meia dúzia de personas hoje famosas do que entendemos por literatura (independente do gênero) e jogá-las num seriado bem produzido, e sim reinterpretá-las em um contexto mais amplo e até brincar com suas reações no convívio e confronto com o mundo, buscando novas leituras midiáticas e mesmo com temas pré determinados deixar as conclusões para nós. Algo perverso vem aí – igual quando lemos um livro que mexe com a gente.
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