Eu não vejo nada de mal em sonhar grande. Acho, inclusive, saudável. Porém, muitas vezes focamos tanto em nosso objetivo final, que esquecemos que, para atingir o CÉU, é preciso primeiro percorrer a Amarelinha inteira.
Isso vale para todos nós, e vale também para quem se pretende escritor.
O novo autor costuma ter grandes pretensões no que diz respeito à sua carreira literária, mas enquanto sonha com o momento em que adaptarão sua obra para o cinema e para mais de 17 idiomas, não enxerga o que está bem debaixo do seu nariz; tão perto que acaba passando despercebido.
Quem está publicando seus primeiros livros – e por isso mesmo não vende cinco mil exemplares – geralmente converge suas aspirações literárias para tudo o que está longe de si: o autor espera ser reconhecido em âmbito regional, nacional, e por que não internacional. Quer participar de bienais em São Paulo e em Frankfurt, ser entrevistado pelo Jô Soares, sair na capa do jornal O Globo. Sem sequer imaginar que, exatamente onde está, é por onde deve começar.
Se o autor não está disposto a participar da feira do livro de sua cidade, a dar entrevista para uma rádio ou a sair em um jornal local, esqueça Frankfurt, Jô Soares e O Globo, camarada. Pois, ou você passa todas as casas da Amarelinha, ou está fora do jogo.
As desculpas que escuto são as mais variadas: vivo em uma cidade pequena, com pessoas de mentalidade idem / onde moro ninguém gosta de ler / aqui não há valorização da literatura / santo de casa não faz milagre / mimimi.
Conheço essa conversa, e posso dizer que não acredito nela.
Até mesmo por que, se você esperar pela situação ideal nunca vai fazer absolutamente nada. Dance conforme a música e aproveite as ferramentas que estão ao alcance de suas mãos. Caso contrário, é melhor ir embora antes do baile começar.
Um projeto local interessante e bem elaborado, desenvolvido pelo autor, pode fazer toda a diferença, e ser a porta de entrada para transformar a literatura em sua profissão – efetivamente.
Como? De diferentes formas: o autor pode realizar um projeto em alguma escola, ou ministrar uma oficina de criação literária em uma ONG ou instituição pública. Pode organizar um lançamento. Pode escrever para um jornal ou revista local. Pode até mesmo envolver-se em toda e qualquer atividade cultural e literária de sua cidade e região, desde feiras de livros até apresentações artísticas de colégios e etc.
Se morar em uma cidade pequena tem lá suas desvantagens – e tem! – também tem lá suas vantagens. E são estas vantagens que o novo autor precisa aproveitar.
O acesso aos meios de comunicação, e até mesmo ao poder público, é muito facilitado. É mais fácil marcar uma reunião com o prefeito de Caximbinhas do Girassol, ou com o apresentador de uma rádio local, do que com o prefeito de São Paulo ou com o Jô Soares.
O fato de todo mundo se conhecer em uma cidade do interior, neste caso, também conta pontos para o novo autor, já que é provável que o escritor local conheça a diretora da escola, o secretário de educação e cultura, o dono do jornal, da livraria, a professora da universidade.
Ademais, em cidades grandes existem dezenas de milhares de escritores fazendo palestras, ministrando oficinas e encabeçando projetos. Em sua cidade talvez não tenha ninguém, o que torna você o primeiro – e o único. Sabemos que todo mundo quer ir ao Programa do Jô, mas ninguém quer sair do conforto de seu lar e ir ministrar uma palestra em uma escola pública. Logo, se o autor estiver disposto a fazer o que ninguém faz, obterá reconhecimento com maior facilidade e rapidez.
E o melhor de tudo: depois de realizar seu primeiro, segundo ou terceiro projeto, as portas naturalmente se abrirão. Após realizar um bom trabalho local, a tendência é que, espontaneamente, o autor passe a desenvolver projetos em outras cidades, pulando as casas da Amarelinha até chegar onde pretende ficar.
Não, não é um processo rápido, nem fácil e muito menos sossegado. Mas é o único caminho, caso você não tenha um bom padrinho, as costas bem quentes ou dinheiro sobrando para investir pesado na divulgação de seu livro.
Contudo, o novo autor precisa deixar de ser tão preguiçoso se quiser, um dia, sair do lugar. Muitos estão dispostos a trabalhar dez horas por dia atrás de um balcão vendendo qualquer bugiganga, mas consideram inadmissível trabalhar dez horas por semana para vender o seu próprio livro.
Também é importante que parem de ser tão presunçosos, e entendam que, no início, estes projetos (oficinas, palestras, lançamento) não serão remunerados. Ninguém, seja em nível local, regional, nacional ou internacional, vai lhe pagar para que você divulgue seu próprio livro e busque o seu espaço embaixo do sol.
Então, antes de ficar torcendo o nariz para o que está do seu lado, focando somente naquilo que está tão longe, que nem de binóculo você consegue ver, repense bem.
Até chegar ao CÉU a Amarelinha possui dez casas, e é preciso transpor uma por uma para ganhar o jogo. É assim na brincadeira de criança, e continua sendo assim quando você cresce e para de brincar de Amarelinha.
Não importa onde você mora, novo autor. Se você escreve, tem um livro e quer fazer, você fará. É só olhar direito e enxergar as infinitas possibilidades que existem em todos os lugares.
Em São Paulo ou em Caximbinhas do Girassol.