
No livro “Amarração de amor: pagamentos após resultados”, o escritor Bruno Couto fala sobre as etapas de um amor que termina, do encantamento à exclusão do contato, com um lirismo cotidiano.
Um livro sobre as dores do amor
O livro “Amarração de amor: pagamentos após resultados” (Urutatu, 2022), de Bruno Couto, é obviamente um livro sobre amor. Em especial, sobre as dores do amor, o rompimento, o abandono, a rejeição. Aquele amor que gostaríamos de preservar, de “amarrar” por magia para que não escapasse. Afinal, como nos diz o próprio autor no prefácio, estar apaixonado é humilhante. É preciso transpor o ego para se permitir amar e se entregar. Isso nos causa muitas feridas. Ao mesmo tempo, se proteger dessa dor é fugir de viver. O que fazemos então? Alguns choram ouvindo música de fossa quando tudo termina. Outros fazem rituais de magia para retomar o amor ou esquecê-lo. Outros escrevem poemas.
Ao longo de vários poemas curtos, frases, conversa de Whatsapp, reflexões e desabafos, Bruno nos guia pelas etapas do enamoramento, do encanto à exclusão. Tudo começa com um áudio da Marisa Monte enviado pelo ser amado que faz bem ao eu lírico. Depois, há uma série de dúvidas e perguntas sem resposta. Passa-se pelo êxtase, pelo jogo erótico, pelo sofrimento, pela solidão, pela recordação, pela vontade de esquecer. No fim, o contato é deletado, com a conclusão: “Não sou obrigado”. Como diz a sabedoria popular, antes só do que mal acompanhado, certo? A aceitação do fim liberta e nos permite viver novas histórias – provavelmente, passar por tudo de novo.

Bicha sim, com muito orgulho
Bruno também nos fala sobre ser homossexual e ter sua sexualidade reprimida pela culpa que a sociedade preconceituosa o faz sentir, até o momento de sua aceitação e livre expressão. O tema já aparece no primeiro poema: “A jornada do herói”, em que o eu lírico conta como se descobriu gay, ou “bicha”, como o próprio autor coloca. Trata-se de uma difícil jornada de diluição da culpa, aceitação e libertação. O tema é retomado em poemas como “Viado de máscara” (ainda em referência à pandemia) e “A bicha que mora em mim”, em que rediscute clichês sobre o que seria considerado “coisa de viado”. Há também a subversão da lógica em uma das “perguntas para as quais eu não sei as respostas”: “Será que uma pessoa com HIV namoraria você?”. E a valorização da própria identidade, em detrimento do outro. É possível substituir a paixão por outra fantasia, mas nós somos insubstituíveis:
“mas você não recria
um Bruno Couto,
não.
– Nem fudendo.”
Há as frases que nos fazem refletir como “O oposto do rancor é saudade” e “deus é a dor que a gente acostuma”.
O lirismo do cotidiano

É possível apreciar um lirismo do cotidiano, simples e profundo nos poemas. O autor utiliza elementos da cultura popular, como “um dia de princesa, com Netinho de Paula”, Claudia Leite e Lady Gaga, diálogo de Whatsapp, rituais de candomblé, paisagens cariocas, enfim, recortes da realidade rotineira que nos fazem nos identificar ainda mais com o eu lírico.
Em conversa com Bruno, ele me revelou suas principais referências: Ana Cristina César (a mais evidente, em especial pela maneira como trata a questão identitária), Carlos Drummond de Andrade (por extrair lirismo e sabedoria da banalidade do cotidiano) e João Cabral de Melo Neto (pelo poder de síntese e concisão).
Por mim, deixo aqui um poema para dar um gostinho do livro:
“Queria escrever um poema
sobre o lilás e o rosa
de uma nebulosa,
além do brilho distante de todos
os corpos celestes no negrume universal.
Falar do grande e do pequeno gesto
do gato que abre e fecha as almofadinhas
de sua pata para detalhar
cada segundo que meu cosmo
deixou de ser caos em sua presença.
Ter a presunção de te explicar
os movimentos aspirais
de um tronco de árvore,
dar conta de todas as flores feias.
Eu não queria apelar, nem invocar
do negrume de distintas formas
de vida moleculares, mas
divago pra dizer:
– Quem ama tenta.”
Referência
COUTO, Bruno. Amarração de amor: pagamentos após resultados. Cotia: Urutau, 2022.
Créditos HL
Esse texto é de Nicole Ayres. Ele teve revisão e edição de Raphael Alves, editor assistente do Homo Literatus.