Amor ao som de Rolling Stones 3/4

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Leia antes a primeira e a segunda parte da história. Se já leu, continue.

***

Roupa. Ok. Violão. Ok. Cabelo. Ok. Eu jamais estaria preparada. Mas estava pronta. Tem uma diferença sutil em estar pronta e estar preparada. Preparação é algo mais elaborado, leva mais tempo e é mais detalhado. Estar pronto é imediato e, ainda mais importante, é momentâneo. O que está pronto agora pode não estar preparado.

Deixa de lado essa filosofia barata. Eu estou só nervosa. Mas vai passar. Na hora, eu sei que vou estar bem e que vou fazer o que eu tenho que fazer. Pode ser que tenha uma interpretação errada, mas não tem um resquício de maldade ou desdém. Era só… a esperança de que tudo pudesse, de repente… Bom, era só difícil demais ver tudo acontecer e passar por tudo isso sem fazer nada. Melhor é fazer nada ou fazer qualquer coisa?

Peguei o ônibus, cheguei na igreja e fui para onde eu deveria ir. Esperei. Vi a igreja encher. Chegaram os parentes dele. A mãe, feliz, como era de se prever e o pai chateado, com a mesma expressão que o filho tinha quando estava fazendo algo desagradável, por obrigação e não por vontade.

Fiquei sentada, segurando o meu violão. Fiz carinho nele, como sempre, e fiquei esperando o momento chegar.

******

– O que você acha deste enfeite?

O silêncio que veio a seguir foi seguido de um suspiro.

– Christiano? Estou falando com você.

– Sim, sim…O que foi mesmo?- ele até tentava parecer interessado, para conseguir acompanhá-la e para não desapontar sua mãe. Mas era difícil se animar com o espaço vazio que caminhava do lado dele todos os dias. Lena podia até estar ali e ela fazia questão de marcar presença. Mas tudo que ela sempre conseguia era deixar bem claro que Ângela não estava.

Era difícil precisar como ele tinha chegado ali. Não lembrava sequer de ter feito um pedido de casamento formal e os preparativos começaram quase que como uma sugestão, algo do tipo “Podíamos começar a organizar nosso casamento, não acha?”. Como era de costume ultimamente, ele concordou, sem saber por que e sem ter como questionar exatamente. Tudo nos últimos tempos surgia como um borrão com um único ponto nítido: Angela não estava mais com ele. Agia como um autômato: dizia sim quando achava que devia, seguia o fluxo e fazia o que parecia se adequado. Parecia um daqueles pacientes que passam por lobotomia: perdem completamente a noção de vontade e o ímpeto de realizar o que desejam.

– Poxa, você podia estar mais interessado nos preparativos.

– Lena, eu só não entendo nada de cores, flores, enfeites. Tenho certeza de que tudo vai ficar bonito. Agora eu…tenho que voltar para o escritório. – e foi embora, fingindo uma ligação do celular.

Tinha uma esperança bem escondida, de que um dia ela desistisse e se rebelasse com ele. Mas quanto mais indiferente ele ficava, mais ela persistia no objetivo de se casar com ele. No fim, se ele não poderia ficar com quem ele queria, pelo menos ele não estaria sozinho.

Chegou ao escritório e aquele estagiário que ele efetivou lá atrás, quando tinha que descobrir o telefone de Angela, o olhou com um sentimento que não chegava a ser pena, mas era tão ruim quanto.

– Algum problema, Fábio?

– Faz tanto tempo que eu te vejo se escondendo aqui dentro, chefe, que eu fico me perguntando se o mundo lá fora está tão ruim assim. – Christiano ouviu aquilo com surpresa e uma pitada de medo de ser tão transparente.

– A verdade, Fábio, é que tem horas em que não é ruim, nem cheira mal nem é terrível de ver. Mas fica sem cor nenhuma e tudo igual. Então não dá vontade de ficar lá fora. Cinza por cinza, pelo menos aqui eu gosto do que eu estou fazendo.

– Chefe, mas por que você não…

– Não tem jeito, Fábio. O que está feito, está feito.

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Depois de ter feito o que eu tinha em mente, fui até o terminal metropolitano a pé. Estava sem a menor pressa. Só tinha que esperar as reações que viriam. Pode parecer que eu tinha sido egoísta, mas eu só queria deixar claro que embora eu soubesse perder com dignidade, eu não tinha sangue de barata e não ia tolerar que a todo tempo minha tranquilidade fosse afetada pela neurose da nossa amiga. Não me importa o quanto isso pudesse ser interpretado como uma resposta a provocações infantis e, portanto, uma atitude mais infantil ainda. Toda ação gera uma reação, só para matar o clichê de vez. E essa era uma lição que ela devia aprender.

Cheguei no ponto e sentei dentro do ônibus. Saia só em meia hora. Meia hora pode parecer muito, mas, para mim, era pouco. Minha espera seria muito maior do que aqueles 30 minutos, pode apostar.

*******

Dia do casamento. Vestido de noiva, cabelo, maquiagem, buquê, unhas, depilação. Tudo estava ali. Menos o nervosismo. Era ela, provavelmente, a noiva menos ansiosa de toda a História. Encarava aquele casamento como um contrato, uma assinatura que ela daria para atestar a superioridade dela para o mundo. O relacionamento era morno, apagado e ela não recebia a mais vaga atenção de Chris. Mas não ia ser isso que faria ela desistir.

– Está pronta? – alguém perto dela perguntou.

– Para hoje? Sempre estive.

******

Ele tinha que ir ao mercado. Que droga, não tinha mais nada na geladeira e não ia dar para pedir coisas pelo telefone pra sempre. O dia em que sua mãe e Lena descobrissem que ele ficava se empanturrando de pizza de peperoni antes do casamento – e que ia engordar e ficar parecendo uma bola de capotão fantasiada no vídeo da cerimônia – ele ia ouvir até ficar com as orelhas ardendo.

O que ele menos queria era ouvir. Queria que todo mundo parasse de falar com ele. Parecia que a fase difícil tinha começado e ia demorar bastante pra ir embora.

Corredor do macarrão. Macarrão parafuso, molho e…olhou no fundo do corredor. Parou, com as duas mãos no carrinho pra olhar. Reconheceu o violão pendurado nas costas da moça e mais do que isso, os cabelos, o jeans surrado e a blusa cinza com a estampa de Jim Morrison. Sentiu que ia ter uma síncope. Viu que ela também o olhou, mas, como sempre, ela deu um sorrisinho. E deu passos perigosos e consideráveis em direção a ele. Parou na frente do carrinho.

– Agora sem me dar oi você não vai pra frente. Arruinei seus planos de fazer de conta que não me viu.

– Eu não ia…

– Então foi só pra fazer você resistir bravamente a tentação de andar pra trás e mudar de corredor. – silêncio. – Macarrão, molho, Jack Daniels. Combinação não muito gastronômica. – ele ainda não tinha conseguido pensar em nada pra dizer. Estava extasiado. E triste, também. – Ainda bem que você vai ter cozinheira quando casar.

– Angie, eu…

– Não diz nada não. – ela deu aquele sorriso pra ele de novo. – Foi bom ver você. – se ajeitou e foi embora. Ele ficou parado ali, apoiado no carrinho. Não tinha nem conseguido dizer nada pra ela. Coçou a cabeça e abriu o Jack Daniels ali mesmo. E ai de quem falasse alguma coisa pra ele.

Ela foi para o carro só deixando as lágrimas caírem pelo rosto. Não ficava tentando enxugar. Estava esperando a torneira se fechar sozinha. Tinha sido difícil demais ficar ali, sem ele, na frente dele.

Hora de continuar. Show must go on.

*****

No caminho para a igreja, ela sorriu para si mesma no espelho, satisfeita. Não é que não gostasse de Chris, gostava. Principalmente por que ele era devidamente adequado. Ela, rica, herdeira de uma fortuna considerável, órfã e sem nenhum talento evidente ou visível. O máximo que conseguira, sempre fora administrar bem a herança de forma a nunca correr o risco de ficar sem nada. O dinheiro, na mão dela, se multiplicava. E por aí parava tudo de positivo que se pudesse dizer sobre ela.

Seu egoísmo e tranqüilidade tinham a combinação perigosa que faziam com que ela parecesse uma psicopata. O dinheiro tinha dado a ela um quê de “tudo posso”.

Todo esse perfil nunca conseguira suportar a amizade com Angela, desde que eram novinhas ainda, aos 13 anos. Era como se as melhores oportunidades sempre surgissem para quem menos atributos tinha. Ela é quem tinha o dinheiro, mas não tinha nenhuma oportunidade de trabalho. Tinha a beleza clássica e não tinha o namorado fixo, nem de qualquer outro tipo que existisse. Tinha tudo, menos o que queria.

E naquele dia, ela tinha conseguido fazer tudo girar certo de novo. O vestido perfeito, as pessoas certas da imprensa para cobrir o evento, um noivo que combinaria bem com tudo aquilo. O que é que poderia dar errado?

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