Leia antes a primeira, a segunda e a terceira parte da história. Se já leu, continue.
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Ficou andando de um lado para o outro na porta da igreja.
– Hora de entrar, filho. – disse o pai. Chris só fez que sim com a cabeça. – Tente sorrir, sim?
– Como?
– Nunca achei que fosse ter que te lembrar de sorrir no dia do seu casamento. Mas já que é o caso, não quero que você passe por nada pior do que já vem passando.
– Obrigado, pai.
Começou a entrar na igreja. Foi quando começou a tocar uma música. Olhou para a banda de pronto e viu o violão quase branco com o autógrafo de Mick Jagger. Ficou pálido. Correu, sem a menor cerimônia no meio da cerimônia e viu que quem estava com o violão…era um homem, que subia as escadas em direção ao local da banda.Um pouco depois, ouviu a voz.
I’ll never be your beast of burden. My back is broad, but it’s all hurt.
And all I really want is for you to make love to me.
De onde estaria vindo? Ele sabia muito bem quem era. E sem se preocupar com o olhar dos presentes ou com os comentários que pudessem surgir, começou a procurar o lugar de origem. Será que ela estava ali? E cantando ainda?
– Filho, o que você está fazendo?
– É a voz, pai. É…eu precisão saber de onde está vindo. – Ele estaria transtornado se não estivesse emocionado. Tocado com o traço de sentimento presente em seu filho depois de anos sem qualquer emoção que não fosse indiferença ou tristeza, o pai não reclamou.
I’ll never be your beast of burden. I walked for miles, my feet are hurting.
And all I really want is for you to make love to me.
– Quem você está procurando?
– Quem eu nunca deixei de querer encontrar pai. – o velho homem só sorriu e abriu passagem para a busca do filho. Os convidados estavam chocados e o pai imediatamente foi tomar conta da mãe para impedir que ela se opusesse ou reprimisse aquilo de qualquer forma.
Am I hard enough? Am I rough enough? Am I rich enough? I’m not too blind to see.
Pretty, pretty, pretty, pretty, pretty girl. Pretty, pretty, such a pretty, pretty girl.
Christiano correu a igreja toda e, por fim, chegou até a banda, lá no alto da igreja. O rapaz segurava o violão com cuidado e ele sentiu ciúmes de ver outro homem tocando no presente que ele tinha dado pra ela. Da mesma forma, sabia que aquilo não tinha fundamento e que seu foco ali era outro. Precisava encontrá-la.
– Ei, com licença…De quem é esse violão?
– Ah, é de uma cantora, amiga nossa. Ela descobriu que a gente ia cantar aqui de última hora e me pediu para colocar a música com a voz dela e tocar o violão de base com esse espécime dela aqui. – ele disse, fazendo um carinho no violão, enquanto tocava.
I’ll never be your beast of burden. So let’s go home and draw the curtains.
Music on the radio. C’mon baby, make love to me.
A música entrava no ouvido dele e fazia o coração fibrilar. Ele não era daquele jeito. Era contido, calmo e controlado. Mas aquela voz, aquela música e todas as lembranças que aquilo trazia estavam deixando ele completamente fora de si. Uma urgência de vê-la de novo, como ficara observando no dia do bar, quando a conheceu, misturado a pressa de que fosse antes da cerimônia começar se misturavam de forma vulcânica dentro da cabeça dele.
– E por que ela deixou isso com você? Ela não esta mesmo aqui?
– Não. Ela deixou o CD só com a voz, a partitura da música e esse violão dela, que tem acústica especial. Nós ensaiamos uma vez, ela me explicou o que fazer e foi embora. Disse que tinha recebido o convite, mas não ia poder ficar na cerimônia e que esse era um presente de casamento. Foi embora tem uma meia hora. – Chris sentiu uma vontade histérica de rir.
– E o que você vai fazer com o violão?
– Vou devolver pra ela amanhã.
I don’t need no beast of burden
I need no fussing, I need no nursing. Never never never never, ever gonna be.
Hora de tomar uma decisão. Ele olhou para trás e viu os pais. Sua mãe, chorando, já sabendo o que estava por vir. E o pai aliviado, com uma leveza do rosto que incentivava ele a fazer o que queria do fundo do coração fazer. Uma coisa ele sabia: não ia dar para ignorar o impacto daquele momento. E não dava pra fingir que a vida toda dele ia continuar fazendo sentido se ele não corresse atrás do que ele sempre tinha querido: uma única pessoa. Desde o dia do pub ela nunca tinha deixado os pensamentos dele por um dia. Aquela confusão toda ia ter que passar. E ele não ia querer viver escondido no escritório comendo pizza de peperoni e mudando as faixas do iPod para não lembrar de quem ele queria lembrar para sempre. Ele sabia o que queria. Sempre tinha sabido. Agora, só tinha decidido deixar de viver sem.
– Me dá aqui esse violão.
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Estava quase cochilando no ônibus. Pra ser sincera, eu acho que nem tinha roupa pra ficar ali na festa. Estava com meus jeans e uma blusinha mais arrumadinha, mas tudo sem pompa. Mesmo que eu quisesse dar um mini escândalo – o que eu não queria, honestamente – não ia conseguir fazer com classe, bem vestida e elegante. Aí já ia ser baixar o nível e, convenhamos, ela não valia uma descida de salto. Ele valia, a qualquer hora do dia ou da noite, porque eu sabia que ele estava naquela por falta de atitude, não por qualquer outro motivo. Eu conhecia ele e era capaz de entender perfeitamente o porquê ele estava casando. Entendia e não o culpava. Não conseguia sentir absolutamente nada de ruim por ele. Não sei dizer se ele ainda…bom…mas também não saberia dizer se não.
Que sono. Que preguiça. Que vontade de dormir e ficar dormindo bem mais do que oito horas. Ainda bem que meu ônibus sempre estava meio vazio e aí ia dar pra esticar e dormir a viagem toda. Quase uma hora até chegar em casa. Trânsito.
Estava pegando no sono, quando alguém disse:
– Com licença, posso sentar?
Abri os olhos e dei de cara com um noivo. Lindo. Alto – nem tanto, mas o suficiente, com cabelo arrumado, terno grafite, colete e uma gravata meio feia. Não era possível que ele estivesse ali. Mas, já que estava, resolvi deixá-lo se sentar. Ainda mais por que – e eu tinha realmente demorado para perceber – ele tinha o meu violão nas mãos.
Se sentou perto, e ficou parado, meio me olhando, meio com medo da minha reação.
O idiota.
Me conhecia o suficiente pra saber que aquele medo era desnecessário. Mas era lisonjeiro ver que era possível despertar alguma insegurança. Coisas de mulher.
– Você vai…ficar aqui?
– Achei que já estava na hora de faltar a algum compromisso. Qualquer que fosse. Calhou de ser este.
– Veio me devolver o violão? – de que outro jeito eu ia poder perguntar o que ele estava fazendo ali?
– Não ia dar pra ficar lá. Ainda mais ouvindo sua voz a cerimônia toda. A menos que você realmente não me queira mais por perto, eu tenho um único pedido pra fazer. – Silêncio – Toca pra mim? – ele disse, entregando o violão pra mim com aquele olhar doce de sempre. Doce parece brega, mas serve bem como classificação para o jeito que ele me olhou.
Peguei o violão e fui tocando as músicas que eu sabia que ele gostava. O ônibus começou a andar. E fomos indo. Não tinha, realmente do que reclamar. E pelo jeito que ele estava, parecia não ter do que reclamar também.
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O carro parou na frente da igreja. Ao descer, ela deu de cara com convidados saindo e a imprensa tirando fotos. Não queria acreditar que fosse algo ruim. Que ele tivesse morrido, o padre engasgado ou qualquer coisa do gênero, mas não uma má notícia.
– O que está acontecendo aqui? – ela perguntou para a sogra, que estava acompanhada do sogro.
– Ele voltou pra ela.
– Ela quem? – Lena empalideceu. Sentiu que enviar o convite fora um movimento em falso, que tinha derrubado anos de planos. Não sabia nem queria saber como tinha acontecido. Ela tinha fracassado.
– Você sabe muito bem quem, Lena. – disse o pai. – E quer saber de uma coisa? Ele estava feliz. Foi melhor assim.
As matérias no dia seguinte tinham as mais variadas manchetes, de “Lena Grimaldi abandonada no altar” a “ ‘Foi melhor assim’ – disse o pai do noivo”.
De qualquer forma, tinham deixado em paz os protagonistas da história. E ela, que sempre tinha gostado tanto dos holofotes, finalmente os tinha só para si.
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– Tive medo de você.
– Medo? De que?
– De não conseguir fazer você me ouvir.
– Meus ouvidos não têm tampa, Chris. Eu ouviria você a qualquer hora.
– Mas será que ia entender?
– Meus neurônios trabalham bem, até. Nunca fumei maconha, você sabe. Tenho todos inteirinhos.
– Mas meu maior medo foi de te ligar e ouvir outro na secretária eletrônica.
– Quanto medo, senhor Economista. Vamos ter que colocar fraldas em você, para te libertar dessas paranóias todas.
– Há tempo hábil o suficiente para tratamentos. – ele disse, sem conseguir tirar o sorriso do rosto.
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O que mais eu deveria dizer? Não sei. Então não vou encerrar esta história.
Isto não é o fim.