Amor, sexo e luta contra a decadência das gueixas

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Em Guerra de gueixas, Nagai Kafu reproduziu o mundo dessas artistas sem poupar o leitor das dúvidas, medos e a luta contra a velhice em um romance ágil e sensual

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O mundo feminino na visão de Utagawa Kunisada (mesmo artista da capa do livro Guerra de Gueixas na edição da Estação Liberdade)

É preciso que se diga: gueixas não são prostitutas. Pode não estar claro para a maioria de nós ocidentais. Também não quer dizer que (elas) não tenham que usar as relações sexuais para se manter, profissionalmente.

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Guerra de gueixas, de Nagai Kafu (Estação Liberdade, 2016)

Guerra de gueixas, de Nagai Kafu (Estação Liberdade, 2016), é um romance de folhetim publicado no início do século XX. No início da trama, temos Yoshioka, um homem de meia idade, vivendo sua vida noturna cotidiana até avistar Komayo num teatro, sendo que o último encontro de ambos aconteceu sete anos atrás, antes que um homem tivesse pago a dívida desta e a tornado sua esposa (cada gueixa possuía uma dívida financeira com a casa que a tinha formado, por tê-la tomado como aprendiz e instruído em todas as artes e etiquetas, além de equipar para o trabalho). Na época em que se encontravam, Yoshioka era um jovem estudante e se apaixonou por Komayo. Passado todo este tempo, ela voltou ao trabalho de gueixa após ficar viúva. A família de seu ex-marido, no interior do Japão, nunca deixou de a tratar em reação à profissão que havia exercido, e como havia irmãos mais jovens do marido morto, ela foi praticamente expulsa de casa, oprimida até abandoná-los. Komayo então retorna ao bairro Shinbashi, seu lugar de origem. Tem a possibilidade de ser feliz no amor e na vida. No entanto, após reatarem o antigo relacionamento, com Yoshioka disposto a pagar sua dívida e a fazê-la uma de suas mulheres, cruza seu caminho o omnagata Segawa (omnagata é um ator que faz papéis femininos no teatro japonês). A possibilidade de ter um envolvimento com alguém famoso e bonito abala seu coração.

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Mais de Utagawa Kunisada

Quem pode acusar Komayo de querer ser feliz? Talvez a protagonista nos lembre Emma Bovary, de Flaubert, ou Anna Karienina, de Tolstói, em sua busca pela felicidade, na vida ou no amor – o que, para todas elas, me parece, são sinônimos.

A habilidade de Nagai Kafu, superando a fronteira do tempo e nos alcançando na contemporaneidade, é tornar Komayo um ser humano comum. No lugar de idealizá-la, posto que ela pertencesse a um grupo humano sensual e passível de fantasias sob a maquiagem branca e os quimonos vistosos, o escritor transmite ao leitor todos os anseios dessa personagem, mesmo que revelando suas incoerências e equívocos. E isso nos conquista, faz com que torçamos por ela. Além disso, por ser um romance de folhetim muito bem executado, temos um enredo cheio de viradas, prendendo nossa atenção.

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O escritor Nagai Kafu

Há de se destacar as notas de rodapé desta ótima tradução, esclarecendo detalhes que nos fogem da cultura nipônica, além de indicações dos trechos que teriam sido censurados no livro quando publicado no jornal.

É um romance que reproduz o mundo das gueixas sem poupar o leitor das dúvidas, medos e a luta contra a velhice dessas mulheres, em um romance ágil e sensual.

“Queria voltar a experimentar os encantos que a vida oferecia. A vontade irresistível que se sentia de ir atrás dos prazeres da carne e álcool era a versão civilizada da vontade do homem primitivo de ir a cavalo atrás da caça, de matar e comer carne crua; era semelhante à luxúria que movera ao combate sangrento os samurais da Idade Média em suas suntuosas armaduras. Essas pulsões eram diferentes facetas de uma força sombria e inesgotável: o desejo. A sociedade moderna canalizara essa força para busca do prazer sexual, ou ainda para a competitividade do mundo dos negócios.” (pg. 110)

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