Talvez até mesmo o suicídio não passe de uma tentativa do autor de colocar o homem na condição de deus, podendo ter poder de lidar com sua própria vida.
Uma das coisas bacanas de uma editora com uma pegada independente, como a Simonsen, é oferecer aos leitores livros marginais. Não me refiro nem ao conteúdo, mas no sentido de “livros que não chegariam tão fácil por aqui se dependessem das grandes editoras”.
Um desses livros é Perdidos e violentos, de Andy Nowicki.
Como nada é linear hoje em dia, vou partir para o meio do meu percurso como leitor, o momento em que me ocorreu uma comparação. Ao avançar na leitura dos contos, notei que as narrativas de Nowicki têm certa semelhança com as de Chuck Pahlaniuk, o autor de Clube da luta. Talvez na visceralidade com que abordam seus assuntos, na maneira como vão ao extremo e profundo da natureza humana.
A diferença, eu diria, é que Nowicki é um pouco mais literato, ainda que “escreva com o fígado” (para usar uma expressão do próprio editor do livro), enquanto Pahlaniuk redige fazendo das tripas coração.
Deixo as comparações de lado para falar dos contos do livro Perdidos e violentos, cuja unidade temática baila entre o suicídio e a figura assustadora de Deus – às vezes expressa nas relações familiares entre pais e filhos – sempre permeada por uma violência que percorre as camadas subterrâneas do texto.
“A alienação que sentia em relação ao resto da raça humana não o fazia criar em torno da violência qualquer tipo de idealização prazerosa ou catártica.” (pg.51)
Desde o primeiro conto, Manhã na América, temos um jogo de linguagem entre a poesia de um rapaz grosseiro que entra em uma lanchonete, declama seu poema, aguarda a chegada do amigo e conversam sobre algo terrível que irão fazer, talvez se matarem. Estamos iniciados no território do escritor, cuja narrativa na sequência, Oswald faz pontaria, revela toda a frustração expressa por um personagem que se vê digno de fazer algo grande, mas que fraqueja nos momentos essenciais em que pode interferir na história, revelando a face errática de seu american dream. Num diálogo entre Eros e Thanatos, prazer e morte, o conto A aposta do poeta revela um homem que está decidido a se matar, porém se depara com uma situação que o provoca a repensar sua atitude. Melhor conto do livro, quarto da obra, O buda de madeira é um jogo de culpa que lembra os contos de David Foster Wallace, no qual o protagonista revela que, por deixar de sentir atração física por sua esposa, acima do peso e sem interesse nele também, acaba por se envolver com uma colega de trabalho com um passado repleto de ressentimentos. A relação dos dois é interrompida por uma catástrofe que se liga ao tema do livro, provocando um momento catártico do personagem principal.
Um trecho do conto em questão:
“Pensei na vida – o ato de violência, agarração, melação, penetração e ejaculação que significa sua concepção; o caos ensanguentado, com o choro e os gritos que marcam seu nascimento; a dor, perda, ansiedade e terror que acompanham até a existência vivida com mais conforto sobre a terra; o horror sinistro e sôfrego da morte.” (pg. 89)
A pequena seleta se fecha com a narrativa O homem do Hotel, uma metáfora que permite inúmeras interpretações. Um homem abre mão da própria identidade para integrar uma organização que deseja controlar os hotéis. Algo na linha de Clube da luta, mas ainda menos explicado.
Nos contos de Andy Nowicki, há um constante diálogo com o suicídio, assim como a presença da figura divina, expressa nas diferentes interpretações possíveis. Talvez até mesmo o suicídio não passe de uma tentativa do autor de colocar o homem na condição de deus, podendo ter poder de lidar com sua própria vida.
Uma leitura desafiante, sem dúvidas.