Anotações sobre José e Pilar

A rotina agitada de um Nobel de Literatura e a viagem de um elefante pela Europa. O que há de comum entre essas duas histórias? Pergunte a Miguel Gonçalves Mendes, realizador do documentário José e Pilar (2010)
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Por mais de um ano, o diretor acompanhou José Saramago, registrando inclusive o cotidiano do escritor e sua esposa, a jornalista Pilar del Río. Assim, vemos as carícias (algumas nada sutis) e brigas de um casal que parece confirmar o velho adágio de que os opostos se atraem.
Expansiva e carismática, Pilar está sempre fazendo algo enquanto o marido pode ser encontrado tirando pequenas sonecas. Contudo, o filme também apresenta alguns episódios que ajudam a quebrar um pouco a imagem austera e professoral de Saramago, como a subida improvisada de uma montanha.
Há um dado momento, entre um evento e outro, que, se sentindo solitário, o autor de As Intermitências da Morte confessa para a câmara que seu relacionamento se baseia num diapasão: ela se preocupa com as coisas da vida, ele com a arte, sendo difícil saber quem tem mais razão nessa equação. A comparação com a cigarra e a formiga é previsível.
Falando em comparações, a obra explora as semelhanças entre a trajetória do elefante Salomão, que foi presenteado pela realeza lusitana a um nobre austríaco, e as aventuras de um Saramago consagrado que se desdobra para poder divulgar sua obra nos quatro cantos do planeta. Extremamente ciente de sua idade avançada e do seu impacto na cultura literária mundial, o escritor português com a ajuda de Pilar del Río procurou aproveitar o pouco tempo que lhe resta, mas a grande ironia é que essa corrida contra a morte acabou por derrotá-lo.
Não é dito em nenhum trecho do filme, mas é possível que o próprio Saramago tenha sugerido a comparação, uma vez que estava ficcionalizando a história de Salomão ao tempo em que o documentário estava sendo feito.  Nota-se em muitas cenas a relutância do escritor em seguir uma agenda diante da aleatoriedade da existência, quase como se fosse obrigado a isso.
O livro, lançado com o título de A Viagem do Elefante, defende a casualidade da vida; afinal, como o paquiderme poderia saber que cruzaria diversos reinos sofrendo as maiores adversidades só para se transformar num item de mobília? Contudo, Saramago tem suas vantagens. O domínio da palavra é uma delas. Algo que fica bem nítido nas suas intervenções públicas, algumas espontâneas (a reação diante do pedido de uma emissora de TV mexicana para que elogiasse o Natal talvez seja o melhor exemplo), que o autor semeava provocações muitas vezes com uma simplicidade fulminante. E é justamente esse domínio que permite que ele continue pulsando em cada página.

Vinicius Alves do Amaral
Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Aprendiz de Pantaleão nas horas vagas.
Vinicius Alves do Amaral
Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Aprendiz de Pantaleão nas horas vagas.
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