Aprenda a escrever com Edgar Allan Poe

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“É meu desígnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso, ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a sequencia rígida de um problema matemático”.

Alguns teóricos afirmam que toda a literatura contemporânea descende de dois escritores, Honoré de Balzac e Edgar Allan Poe. O francês Balzac fundamentaria a narrativa realista, enquanto Poe daria base ao modelo fantasioso. É algo discutível, porém é impossível negar a inventividade de ambos.

Por hora, falemos apenas de Poe e o legado sobre a escrita que ele deixou.

Em A filosofia da composição, Edgar Allan Poe se dedica a explicar o processo de composição de sua obra mais famosa, o poema O Corvo. Além de teorizar a respeito da estrutura poética aplicada, é possível identificar ao decorrer do ensaio uma série de “dicas” para quem deseja escrever literatura.

Por exemplo, logo na abertura, o escritor salienta a respeito da vaidade literária. Ele se admira que, até então, nunca um autor tivesse publicado em alguma revista a forma como planejou uma composição literária. A partir daí, põe a prova o conceito de inspiração – muito romantizada por grande parte do pessoal que escreve –, ao afirmar que muitos escritores preferem manter a ideia de que compõem por “meio de uma espécie de sutil frenesi”; e que tremeriam na base ao se propor que o público olhasse por traz das cortinas; como, na verdade, eles escrevem – “[…] os disfarces postiços que, em noventa e nove por cento dos casos, constituem a característica do histrião literário”.

Ao discorrer sobre seu método de composição, chama a atenção para o: “[…]erro radical, acho, na maneira habitual de construir uma ficção”. Para Poe, a construção de uma história deveria começar por sua causa, não por seu efeito. Uma possível interpretação seria de que o escritor dá aqui uma dica a respeito do sentido de urgência de um texto. Há histórias, principalmente de escritores iniciantes, que parecem passar por uma série de circunstâncias indiferentes até que finalmente cheguem ao final; isso, claro, quando o leitor tem paciência de chegar até este final. Tanto que, logo a seguir, Edgar Allan Poe faz uma ressalva a respeito do tamanho que deve ter um texto:

“Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma assentada, devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que se deriva da unidade de impressão, pois, se requerem duas assentadas, os negócios do mundo interferem e tudo o que se pareça com totalidade é imediatamente destruído”.

Mesmo que pareça um pouco maquiavélico demais fazer restrições assim a um texto, para todas as “regras” existem exceções. O próprio Poe diz que: “[…] em certas espécies de composição em prosa, tais como Robinson Crusoé (que não exige unidade), esse limite pode ser vantajosamente superado, nunca poderá ser ele ultrapassado convenientemente por um poema”.

A filosofia da composição também traz algumas perspectivas impressionantes sobre o espaço dentro da narrativa. Poe afirma que enquanto compunha a estrutura do poema – vejam só, um poema, imaginem um conto ou um romance! –, considerou sobre como faria para juntar o amante e o corvo num mesmo ambiente. A sugestão mais natural seria uma floresta, contudo, ele afirma: “[…] mas sempre me pareceu que uma circunscrição fechada do espaço é absolutamente necessária para o efeito do incidente insulado e tem a força de uma moldura para um quadro”. É notável a importância do espaço, até mesmo na descrição dos ambientes. Pouco antes do trecho ressaltado, o escritor teorizou sobre a beleza – definido-a como a única verdadeira tese poética –, e então ele explica que, no poema, o quarto é apresentado como “ricamente mobiliado”, para que ele seja uma continuidade da teoria.

Há ainda a questão dos contrastes ressaltados por Poe no ensaio. A escrita literária se propõe, sempre, a escrever para os sentidos. Logo, os contrastes são essenciais para uma literatura palatável, que fale à alma. O escritor ressalta que colocou a noite como tempestuosa para: “[…] explicar por que o Corvo procurava entrar e, em segundo lugar, para efeito de contraste com a serenidade (física) que reinava dentro do quarto”. Ele ainda afirma que posicionou o pássaro sobre o busto de minerva por causa das cores, o contraste entre o branco e o preto, o mármore e a plumagem. Cada detalhe é planejado para provocar o máximo de sensações possíveis.

O ensaio A filosofia da composição é rico em interpretações e dicas para quem deseja escrever. A imersão na mente criativa de Edgar Allan Poe produz uma série de questionamentos, a respeito do artista como artesão.

Contudo, vale a leitura e a deixa para que o “Mestre Poe” dê sua aula.

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