Argentino escreve uma versão de Dom Quixote “para ler na praia”

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Monumento a Dom Quixote – Plaza de España de Madrid

Recentemente, tivemos uma polêmica aqui no Brasil quando a escritora Patrícia Secco adaptou a obra O Alienista, de Machado de Assis, para uma linguagem mais simples. Não é que um argentino realizou uma proposta semelhante com o clássico de Cervantes!
“A primeira coisa que me disseram meus amigos espanhóis”, explica o escritor Mario Paoletti, foi que “ainda que irreverente, era necessário”. Apesar das críticas, ele seguiu adiante na reescritura de Dom Quixote. Sim, o mesmo Dom Quixote de la Mancha que Miguel de Cervantes escreveu no começo do século XVII, um dos maiores romances da história, e ainda o primeiro romance moderno.
int-12461Paoletti publicou anteriormente poesias, romances e ensaios. É argentino, mas vive na Espanha há mais de trinta anos. Mais precisamente em Toledo, onde é professor de literatura. Toledo, cidade de pedra de La Mancha que foi o destino de uma das primeiras saídas de Dom Quixote e onde o cavaleiro manchego segue sendo um símbolo. Não é de estranhar então que seus colegas acadêmicos reajam contra a ideia. Reescrever o Quixote? Para quê? Mas Paoletti seguiu adiante com seu livro, Quijote Exprés foi lançado na Argentina. É uma versão reduzida – tem 407 páginas, frente às quase 1000 da versão original – e de sintaxe mais simples, que busca chegar ao que o autor chama de “o leitor comum”, e que define como “todas essas pessoas que gostam de ler, mas de outro modo não se aproximariam da obra”.
O Clarín bateu um papo com o escritor a respeito do assunto. Veja como foi esta conversa.

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Era necessário reescrever Dom Quixote?
Provavelmente é o melhor romance já escrito, contém todos os caminhos que depois tomará a literatura: é um romance psicológico, a história de uma amizade, crônica de costumes, estabelece um ideal romântico… tem tudo. Também penso que não há nada que não se entenda, na realidade, mas tem muitas idas e vindas e é ilegível para o leitor de hoje por várias razões.
Quais?
O texto está sobrecarregado, os tratamentos estão em desuso, e também mudou a forma de ler. O leitor médio de hoje não tem tempo e lê no metrô, antes de dormir, nas férias… Fiz uma versão de Dom Quixote que se pode ler na praia, como um best-seller, atrativo, mas conservando o que tem a grande literatura, não convertendo-a em entretenimento.

Mario Paoletti
O escritor Mario Paoletti

E como estás seguro de que a qualidade está intacta?
Isso decidirá o leitor. Fui consciente da necessidade de não levar adiante a forma de escrever de Cervantes, sua cadência… Meu maior terror era que o resultado tivesse um estilo plano, mas acredito que consegui. Fiz vinte versões em cinco anos.
Por onde começou?
Li cinco vezes o Dom Quixote original antes de nada. Na primeira versão, trabalhei o vocabulário: busquei sinônimos e simplifiquei a sintaxe. Logo recompus os tratamentos, o modo de falar dos personagens, para serem menos pesados, mas sem perder a altivez necessária. Queria um texto que se pudesse ler de um tiro, mas continuasse sendo literatura. Somente lhe dei fluidez. Me perguntava: “O que teria feito Cervantes hoje?”.
Tens recebido alguma crítica?
Algumas pessoas do mundo da literatura na Espanha mostraram dúvidas a princípio, mas logo me disseram que o texto funcionava. E o pior de tudo o que me disseram foi que era uma deturpação. Mas não é: quero deixar claro que este não é o Dom Quixote de Paoletti, este segue sendo o Dom Quixote de Cervantes.
Traduzido e adaptado da Revista Ñ Clarín.

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