Armindo Trevisan em foto de Dulce Helfer
No decorrer de minha carreira de resenhista literário, resenhei muitos livros de poesia. Até tomar a decisão de resenhar livro de poesia só em ocasiões especialíssimas. Esta é uma delas. E de tão especial é capaz de ser a última resenha de livro de poesia que faço.
Trata-se do novo livro, Adega imaginária, de Armindo Trevisan. Entre os poetas de sexo masculino, há seis grandes poetas brasileiros vivos. Refiro-me somente ao mais alto nível dos poetas, e consequentemente do nível da poesia feita por eles, aos que estão no mesmo patamar de Drummond e Bandeira. Existem dois patamares anteriores de poetas. Neles estão muitos bons poetas, a lista é grande.
Mas ao patamar que me refiro só seis poetas ainda estão vivos: Augusto de Campos, Wlademir Dias-Pino, Manoel de Barros, Armindo Trevisan e os dois últimos, maranhenses, Nauro Machado e Ferreira Gullar.
Os poetas Augusto e Wlademir, apesar de pertencerem ao primeiro escalão (Não esquecer que são fundadores das duas principais vanguardas poéticas da poesia brasileira: a Poesia Concreta e o Poema Processo), são poetas que por suas naturezas de extremas vanguardas, e também por estarem produzindo pouco, se diferenciam dos outros.
Alguns estudiosos diriam que a poesia de Manoel, Armindo, Nauro e Gullar, também se diferencia da dos dois vanguardistas vivos por ser uma poesia discursiva.
Em dezembro, Manoel de Barros, completa 97 anos. Mesmo assim, pelo o que ele mesmo me falou, ainda prepara um livro inédito. Nauro, Gullar e Armindo, por serem mais jovens, produzem mais.
Não é difícil perceber a diferença da poesia de cada um dos poetas “discursivos”. Manoel investe na construção de uma linguagem poética que recria a própria língua e instaura, ou revela, sentimentos. Nauro é o mais filosófico dos quatro. Gullar passou quase toda a sua carreira fazendo uma poesia de vanguarda, de denúncia ou de autocrítica. Só nos últimos anos passou a fazer uma poesia menos descompromissada. Armindo Trevisan tem um pouco de cada um deles, e é o mais lírico e organizado (falo de padrão poético) do grupo. Através do lirismo ele levanta questionamentos sobre o amor, a fé e a própria poesia.
Quando falo em organizado, falo da unidade, da integralidade que o poeta dá a seus livros. Ele costuma enumerar os poemas com algarismos romanos. Esse seu novo livro mesmo é assim. Os títulos dos poemas são enumerados com algarismos romanos em ordem crescente. Mas isso é só um reflexo de sua unidade.
Em Adega imaginária, mais que a devassidão do vinho e do que o amor cristão, a unidade do livro é a relação sexual do homem com a mulher. É um Kama Sutra. Não ensinando posições. Mas como se o poeta, do alto dos seus 80 anos (completados em 06/09/2013), alertasse aos amantes como se entregar, se envolver, se enlaçar ao corpo do outro na hora do sexo. Fazendo brotar dessa hora o amor eterno e outras gratidões.
Desde o seu primeiro livro de poesia, A surpresa de ser, publicado em 1967, que o poeta Armindo Trevisan vem recebendo rasgados elogios à sua poética de escritores como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Erico Verissimo e Mário Quintana.
O poeta fecha Adega imaginária com um posfácio, feito por ele mesmo, intitulado “Erotismo e poesia”. Dividido em blocos enumerados com algarismos romanos, o poeta explica no posfácio sua tradição de poeta erótico (Armindo Trevisan nasceu no dia do sexo 6/9. Talvez tenham elegido o dia pelo 69 que a data sugere), e arremata confirmando minha impressão sobre o livro. Diz: “Gostaria que um raio de luz atravessasse os poemas de Adega imaginária. Cabe à luz iluminar, obliquamente, o mistério da sexualidade com a promessa de um amor superior a todo amor viável neste mundo.”.
Foi exatamente esse raio de luz, que, atravessando os poemas, me guiou.
O relincho do cavalo
O novo volume de poesia de Armindo, lançado pela L&PM para celebrar os 80 anos do poeta, tem uma segunda parte intitulada O relincho do cavalo adormecido. O poeta diz num poema chamado O cavalo, dessa segunda parte: “Talvez Deus me dê a dádiva / de morrer ouvindo / um relincho de cavalo! / Não pensarei, oh não, / nos cavalos do Apocalipse! / Imaginarei que Alá / esteja vindo ao meu encontro / no dorso desse animal.”.
Nessa parte é evocada a vulnerabilidade do homem frente à mulher; mostra poemas de temáticas cristãs; poemas relatos; de amor; mais poemas eróticos; de temas diversos e poemas metalinguísticos.
A meta dos poemas metalinguísticos não é “explicar” o poema frente ao poema, mas sim, frente ao homem.
O livro além de festejar os 80 anos de idade de Armindo Trevisan, se insere não somente como o melhor livro literário (em todos os gêneros) publicado em 2013 (apesar do ano ainda não ter chegado ao fim), mas também como o melhor de poesia das últimas décadas.
Adega imaginária
Armindo Trevisan
L&PM
208 Págs. / R$ 39