As consequências da escrita de Charlotte Brontë

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Assim como suas irmãs, Emily e Anne, Charlotte Brontë mostrou desde cedo sua dedicação e seu empenho para mudar a literatura

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Charlotte Brontë é lembrada como a mais velha (dentre as que sobreviveram à infância) das irmãs Brontë. Uma mente fértil, que desde pequena se dedicava a escrever e a inventar mundos fantásticos—os poucos rascunhos que restam daqueles tempos, sua juventude, sendo considerados, pelos críticos de hoje, alguns dos primeiros exemplos de ficção especulativa. Ela teve, com seus irmãos, uma criação curiosa, talvez até desafiadora para a época. Charlotte escrevia desde cedo. No lugar de dedicar-se às tarefas que se esperava de moças, ela preferia inventar aventuras dos continentes que criava, com heróis baseados no Duque de Wellington. Escrevia poesia. Escrevia prosa. Ela e suas irmãs enchiam diários com suas criações. Ela queria ser uma escritora publicada, ainda que ser uma escritora continuasse a parecer escandaloso para uma moça de família.

Charlotte, como a maioria das mulheres que se aventuraram a empunhar uma pena em sua época, é acusada, injustamente, de escrever “literatura feminina.” Precisava, junto com suas irmãs, se esconder atrás de pseudônimos andróginos, na tentativa de ser publicada sem o preconceito de ser julgada pelo próprio sexo. Sua obra-prima, Jane Eyre, já foi diversas vezes menosprezada, descrita como um mero romance; mas Jane Eyre é muito mais. As mesmas acusações que Charlotte e as Brontës recebiam eram as que Jane Austen, predecessora delas, também precisara suportar: mulheres escrevendo sobre seus assuntos fúteis de mulheres. Nada que pudesse ser mais injusto. Como Jane Austen, Charlotte Brontë era uma observadora afiada da época em que vivia; suas histórias não nos mostravam isso com humor, mas com mais aspereza—desde a condições lamentáveis dos colégios a que crianças eram destinada; e onde faleciam sob maus cuidados, até a sociedade que dificultava as chances de mulheres de controlar suas próprias vidas, condenadas, na melhor das hipóteses, a se tornar governantas, incapazes de perseguir demais desejos, esses reservados apenas aos homens. Jane Eyre, de várias formas, é Charlotte Brontë. São seus olhos analisando e julgando o mundo à sua volta. São suas irmãs que morrem no internato, na pele da afável Helen. É seu próprio espírito se recusando a ser domado e a aceitar a crueldade ou apenas a misericórdia das pessoas. Ser notada. Ser respeitada e ser vista. Era o desejo de Charlotte Brontë.

Ler Jane Eyre é uma experiência recomendável a qualquer um com interesse em literatura inglesa, ou apenas na época da Regência e na época vitoriana. É uma forma de desafiar nossos próprios preconceitos do que imaginamos como a ficção feminina—especialmente a de época—e de nos deixarmos surpreender pela profundidade do livro.

Anos mais tarde, Charlotte Brontë ocupa um lugar no cânone literário do qual nenhum detrator conseguiu tirá-la. Ela e suas irmãs, Emily e (se em uma menor escala) Anne permanecem, como Austen, aquelas que se recusaram a abrir mão de um ofício tão pouco “femininas.” Escreveram. Escreveram até a saúde frágil levá-las. Suas vidas não foram longas, mas o legado que deixaram perdura, dois séculos depois. Um brinde às irmãs Brontë; e um brinde especial para a aniversariante, de hoje, dia 21, Charlotte.

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