Cabeça a prêmio, de Marçal Aquino, é o romance policial à la brasileira, com cenários e personagens que todos nós conhecemos
Estudando para o mestrado, descobri o quão difícil é conciliar trabalho e estudo. Não que eu já não soubesse disso. Durante meus cinco anos de graduação, fui obrigado a fazer tudo no atropelo. Ler, decorar e esquecer. Agora é diferente. São quatro livros intensos que preciso assimilar. Bons livros, por sinal, mas a responsabilidade que me coloquei impede que eu curta cada um deles.
O ideal seria manter o foco nessa bibliografia. O problema é a necessidade de ficção. Acabo por eleger leituras para o ônibus – local onde é mais difícil estudar e tomar notas. Não queria errar na escolha do título. Nesse caso, a melhor alternativa são releituras. Escolher Marçal Aquino nunca dá errado. Há poucos dias fiquei órfão de séries, já que a segunda temporada de True Detective chegou ao fim. Foi por isso que coloquei Cabeça a prêmio na mochila. Em sua literatura há muitas coisas que me interessam, a começar pelos tipos, todos parecidos com os fregueses que frequentam o bar que meu pai toca na pequena e quente cidade de Matão, interior de São Paulo. Sujeitos feios, esquálidos, obscuros, profundos como um golpe de navalha. Tudo contextualizado num Brasil impiedoso, calibre 45.
Brito e Albano são matadores de aluguel a serviço numa pequena cidade inominada. Dênis, um piloto em fuga. Mirão e Abílio – os irmãos Menezes – traficantes de drogas que comandam seu império com mãos de ferro. Como em todo bom romance policial, suas histórias se cruzam de um modo surpreendente. Marçal conduz seus destinos sem deixar buracos no roteiro. Nem pedra sobre pedra.
Brito. O protagonista dessa história sobre bandidos. Implacável no seu ofício automatizado. Não conhece suas vítimas. Ama a seu modo, quieto. Vai ao cinema, gosta de comer em restaurantes. Um homem comum, imerso numa rotina sangrenta. Os cenários narrados parecem fotografias desbotadas, empoeiradas. O solo é árido. O tempo, quente e seco. Elementos que contribuem para um clima velado de tensão. Dinamite armada. Basta acender o fósforo.
Não tenho a sinestesia necessária para perceber a poesia das coisas. Mas ela está presente em cada frase curta de Marçal. Ele constrói pequenas e finitas histórias de amor e ódio “pantanoso”. A concisão de suas palavras é como um corte seco, mas a faca não corta. Ela é cravada, fazendo com que ruminemos longamente cada golpe.
Mistura de estilos inaugurados por Raymond Chandler e Ernest Hemingway. Cabeça a prêmio só poderia dar certo.