Ouvindo um tango antigo, sabemos que houve homens valentes. O tango nos dá a todos um passado imaginário. Estudar o tango não é inútil, é estudar as diversas vicissitudes da alma argentina.
– Jorge Luis Borges
Durante quatro tardes, em outubro de 1965, Jorge Luis Borges foi a um lugar não identificado, em Buenos Aires, para falar sobre tango. Nesta época, já era conhecido no mundo todo e havia renunciado a visão, aprendendo a compor de memória.
Tais conferências haviam se perdido nas areias do tempo, talvez como diria Borges. Quase ninguém sabia delas. Até que em 2002, o escritor Bernardo Atxaga recebeu fitas cassetes de um amigo que, por sua vez, as havia recebido de outra pessoa, apenas com a mensagem que eram do autor de O Aleph.
Ao saber das fitas, María Kodama, viúva de Borges, fez questão de ouvi-las e afirmou se tratar sim da voz do escritor, “a menos que haja algum imitador perfeito de Borges”, disse ela. O catedrático de Oxford, Edwin Williamson, biógrafo do escritor, após receber as cópias que lhe enviou Atxaga, disse: “Opino que são as conferências em que, segundo o anúncio que descobri no arquivo de La Nación em 30 de setembro de 1965: Borges ‘contará suas experiências pessoais no Palermo feio de onde compadres e arruaceiros protagonizaram histórias e anedotas que mostram o espírito de uma época de Buenos Aires”. “Que eu saiba estas conferências são inéditas e vale a pena dá-las a conhecer”, susteve Williamson por e-mail.
Nas gravações, que Bernardo Atxaga fez chegar à Casa do Leitor, Borges usa de sua erudição, conta histórias, recita versos, provoca risadas e até canta estrofes de alguns de seus tangos preferidos, como El Choclo… “Caracanfunca se hizo al mar com tu bandera…”, cantarola antes de confessar comicamente: “Perguntei a um amigo o que significava caracanfunca e ele me disse que é o estado de ânimo de um homem que se sente caracanfunca”.
Na segunda-feira (05), María Kodama explicou em Madrid que nas fitas se repete a estrutura borgiana de O Aleph: “Parte de algo e vai abrindo e a leva a outras coisas. Para Borges, o conhecimento era isso, não era algo rígido nem enclausurado”. Apesar do domínio que mostra nas conferências sobre tango, Borges não costumava ouvi-los em sua casa. “Dizia que era um surdo musical, não se sentava para escutar música, ainda que gostava de jazz, gospel, música medieval e Brahms. De Beethoven, porém, dizia que era muito ruído”, contou Kodama à imprensa, pouco antes da audição de fragmentos das conferências.
O escritor argentino preferia os tangos da velha guarda e as milongas. Em sua opinião, Gardel havia degenerado este estilo musical. “Dizia que o havia feito sentimental e chorão”, recordou María Kodama.
Agora, os internautas podem escutar Borges e imaginar sua personalidade “tangueira”, com estes fragmentos de sua conferência:
El Gaucho
El origen del tango
Los lugares del tango
El origen humilde del tango
El origen del tango
As informações são do El País.