Gosto é subjetivo, sobretudo o gosto literário: podemos nutrir imenso amor por um determinado autor, assim como podemos nutrir gigantesco ódio. O escritor Charles Bukowski não foge ao caso
Gosto é algo único, fechado em nós dentro duma lógica pessoal que só um estudo aprofundado de cada indivíduo poderia demonstrar. Gostamos da autora X por isso; odiamos o autor Y por aquilo. Com escritores não seria diferente por serem leitores antes de tudo – e o Old Buk não foge ao caso.
Às vezes, somos surpreendidos por algumas escolhas de amores ou ódios literários – Nabokov abertamente não gostava de Dostoievski, bem como Tolstói – que também não suportava Shakespeare – e assim vai. No caso de Bukowski, comecemos pela escolha de três dos seus autores preferidos – a maioria relegada a segunda frente – para depois partirmos aos desamores.
O primeiro é Dostoievski. Em seus diários e romances, ele não via fim na genialidade do autor russo. Tudo nele era perfeito, segundo Bukowski: seus personagens, os ambientes, as tramas etc. O que havia de pior na sociedade podia ser visto nos infindáveis romances dostoievskianos. O segundo é Louis-Ferdinand Céline, um autor francês quase desconhecido nos dias atuais. Autor de Viagem ao Fim da Noite entre outros, Céline fez sucesso com seus primeiros romances até o começo da Segunda Guerra quando, além de demonstrar apoio aos Nazistas, publicou alguns panfletos anti-semitas. “Não há nada de mais puro saído das ruas” diz Bukowski sobre o autor francês. Para quem já leu o anteriormente citado Viagem ao Fim da Noite, fica claro de onde saiu a estrutura da maioria dos romances de Bukowski e a influência – bem como o amor dele por esse tipo de Literatura. O último que citaremos é outro autor de segunda: John Fante. Chinaski diz com todas as letras em Mulheres que seu autor favorito era John F-A-N-T-E! De resto, não a muito mais o que se dizer: os vagabundos e o pessimismo frente ao American Dream são os mesmos. Dá para dizer que Fante é um pai literário, bem como o protótipo de autor pobre e cheio de empregos de segunda que seria a marca da vida de Bukowski.
No entanto, nem tudo eram flores quando se fala dos autores preferidos dele. Aqui chegamos aos casos dos dois maiores ódios que Bukowski nutriu durante a sua vida: Shakespeare e Tolstói. Os motivos são diversos e por vezes obtusos, mas o fato é que ele nunca suportou nem um nem outro – e àqueles que possam dizer que o motivo é dado ao fato de ambos serem antigos e clássicos, negam o amor que Bukowski nutriu durante toda a vida por música clássica (ou o sangue dos deuses, segundo o próprio). Tentar entender as razões do fenômeno, no fim das contas, é inútil: nada perdemos aos ler seus romances e poemas ao saber do seu desprezo por Shakespeare e Tolstói (lembrem que o próprio Tolstói fazia questão de virar o nariz para o bardo inglês), assim como nada nos impede de lê-los e gostar de ambos.
Se há ainda algum moralista/puritano que crê que uma rejeição aos dois clássicos é algo ruim, Buk dá sua resposta no fim de O Capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio:
“Lembro de uma carta longa e furiosa que recebi um dia de um cara que me disse que eu não tinha o direito de dizer que não gostava de Shakespeare. Muitos jovens iam acreditar em mim e não se dariam ao trabalho de ler Shakespeare. Eu não tinha o direito de tomar essa posição. E assim por diante. Não respondi na época. Mas vou responder agora.
Vá se foder, colega. E eu não gosto também de Tolstói!”