Burroughs – Um fantasma alucinado caminhando pela Interzona

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William Burroughs pelos traços de João Pinheiro

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Uma viagem pelos becos escuros e sujos, pelo submundo de drogas pesadas, pelas alucinações que dominavam a mente de William Burroughs. Viagem seria o termo a ser usado como descrição para Burroughs, HQ criada por João Pinheiro e lançada no ano de 2015 pela editora Veneta.

João Pinheiro é quadrinista, artista plástico e ilustrador. É autor de Kerouac (devir, 2011). Seus quadrinhos têm sido publicados em revistas como Hipnorama (Argentina) Ikshort (EUA), Serafina, Rolling Stone e Bill.

William Burroughs foi um dos escritores da chamada Geração Beat, pode-se dizer que ele faz parte da “santíssima trindade beat” que inclui o nome de Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Apesar de fazer parte disso, sua escrita se difere dos seus demais companheiros. Autor dos romances Junky e Almoço Nu.

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Burroughs, de João Pinheiro (Editora Veneta, 2015)

Pinheiro não fez uma biografia, não existe nenhuma novidade para os conhecedores da vida de William Burroughs, há elementos da vida de Burroughs no decorrer da HQ, porém os fatos de sua vida misturam-se com os personagens de suas obras, o que se tem é uma alucinação, uma história que Pinheiro constrói, mas que poderia ser escrita pelo próprio Burroughs.

A HQ começa com o assassinato acidental de Joan, mulher de Burroughs, em 1951, no México. William e Joan estavam brincando de “Guilherme Tell” – provavelmente ambos estavam sob efeito de drogas – quando acidentalmente Burroughs dispara na cabeça de sua esposa – fato crucial para que ele se tornasse escritor, como afirma o próprio. A partir desse primeiro ato o leitor é jogado num mundo surreal, numa alucinação, onde drogas misturam-se com seres de realidade paralela, monstros, um médico autodidata, conspiração feita pelos controladores e aliens, personagens conhecidos nos trabalhos de Burroughs, em meio a tudo isso Burroughs, ou agente Lee, como também é chamado na HQ, passa sua jornada redentora, até tornar-se um escritor.

Destacam-se na obra os traços de Pinheiro, que são de altíssimo nível. A tonalidade azul que domina toda a HQ ajuda a construir essa atmosfera alucinógena do trabalho, o clima noir também. A HQ pode ser classificada como uma mistura de romance policial, ficção científica e horror, tudo misturado com uma dose pesada de heroína. Pinheiro não deixou nada de fora, até as técnicas de escrita utilizadas por Burroughs estão no trabalho. Outras referências que podem ser vistas no trabalho são as de Francis Bacon, Rimbaud e David Cronenberg (diretor que levou Almoço Nu para o cinema).

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Mesmo para alguém que desconhece a obra e a vida de Burroughs não há dificuldade em ler a HQ. Apesar de recheada de referências, o leitor consegue entender a narrativa sem nenhum prejuízo, o trabalho pode ser lido tanto pelos apreciadores de William Burroughs ou por alguém que está atrás de um quadrinho bem surreal. No final da HQ há um ensaio escrito por Burroughs chamado Os Limites do Controle. O interessante é a forma que o ensaio foi colocado, como se fossem fotografias de páginas datilografadas, trazendo até uma proximidade com o autor.

“A linguagem é um vírus vindo do espaço”, Burroughs e Pinheiro foram infectados por esse vírus, o primeiro deixou um legado para infectar seus leitores, o segundo continua espalhando o vírus através de seus trabalhos. Há uma citação de Hunter S. Thompson na orelha da HQ onde ele afirma que “William era um atirador. Ele atirava como escrevia: com extrema precisão, sem medo”, nessa homenagem, Pinheiro faz jus ao seu homenageado. Uma HQ com extrema precisão, sem medo.

 

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