Algumas matérias que eu venho lendo como as no jornal Gazeta, intituladas de “Nova Literatura”, na sua maioria, mostram novos escritores que escrevem temáticas entremeando os conflitos entre games, blogs, cultura pop, programas de TV, música, faculdades e sexo bizarro ou vivendo em uma época invadida por programas medíocres de TV, cinema, internet, videogames, blogs, fotologs etc., obtendo-se um caldeirão pós-contemporâneo.
Mas, como se enquadra nisso tudo a nossa condição humana? O filósofo Sartre defendeu que o escritor não é neutro diante da realidade histórica e social. A função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele. Porém quando olhamos para esses livros da “Nova Literatura”, parecem ir pela contramão. A maioria dos jovens escritores está entremeando os conflitos de suas histórias entre “vampiros”, sexo bizarro e seu mundo clichê cibernético.
No entanto, não tenho nada contra aos vampiros e ao sexo bizarro na literatura. Por exemplo, sobre os vampiros, o que dizer do romance de 1897 de Bram Stoker, “Drácula”? E o poema a “A Noiva de Corinto” de Goethe? Sobre o sexo, o que dizer das obras de Marquês de Sade? São trabalhos de qualidade que envolvem vampiros ou sexo, por mais bizarros que sejam.
O problema é quando, em termos de vampiros, encontramos obras como “Crepúsculo” ou, em termos de sexo, encontramos obras como “Cinquenta tons de cinza”. Porque uma literatura tem que se focar na condição humana tal como é vivida e que se confronta com a ansiedade e com a escolha do futuro, reduzindo à culpabilidade existencial, o que não é o caso destas.
O escritor é uma figura de intervenção, a literatura não pode ser levada apenas como entretenimento. Na verdade, ela é o revés do que toda a mídia faz: deve mostrar aquilo que não vem sendo mostrado, de alguma maneira colonizar o nosso olhar para que possamos enxergar coisas sutis na realidade. Concordo com Altair Martins, quando diz que a literatura deve mostrar que existe uma pretensão de realidade muito falsa, produzida às vezes pela mídia. Para mim, a literatura às vezes incomoda, e sua função é incomodar. Ela não vai vender mesmo… Tem que incomodar.
Franz Kafka, um clássico da literatura mundial, disse: “precisamos de livros que nos afetem como um desastre, que nos entristeçam profundamente, como a morte a quem tenhamos amado mais que a nós mesmos, como ser banido para florestas isolas de todos, como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós”.
Kafka estava errado? Terão pessoas que dirão: “nossa, que cara triste, pessimista! Vamos rir mais!”. Só que, para mim, isto é uma ofensa, pois vamos rir do quê? Já se ri demais no Brasil. A gente ri demais nesse país, tudo é normal, tudo é tranqüilo. Kafka então foi pessimista? Mas tinha que ser como? Disseram que a beleza vai salvar o mundo. Não, quem vai salvar o mundo é o feio. É aquele que vai entrar no hospital e dizer: “isso aqui está uma porcaria”. O pessimista é aquele que desconfia de tudo. Isso é desmanchar a realidade, como: “eu não aceito o que tem, acho que dá para melhorar”. É nesse sentido que eu acredito que o pessimismo vai salvar o mundo. Não posso estar satisfeito, tenho que estar insatisfeito. A minha religião é essa: ser pessimista.
Você encontra notícias na TV, no jornal, na internet como: “jovem pressionada a abandonar queixa de estupro se mata na Índia”, “neste 2012, houve pelo menos mais 30 suicídios entre os Kaiowá-Guarani, por serem expulsos de suas terras”, “a recessão econômica que se estende pela Europa, em especial à Itália, Reino Unido, Portugal, França, Irlanda e outros países provocou um aumento alarmante no índice de suicídio”, ou, como se não bastasse, uma notícia do relatório da WHO: “atualmente, a depressão é apontada como questão de saúde pública pela OMS, sendo que até 2020 deverá estar em segundo lugar como as principais doenças no mundo”. E aí? Já rimos demais ou não? Esses livros de puro entretenimento são resultados de um pós-modernismo capitalista. Onde a arte virou somente mercadoria.
A crítica a essa cultura de massas é justamente a afirmação de que, além da alienação proporcionada pelo entretenimento presente nos meios de comunicação, massificar a produção intelectual da sociedade e inserir a sociedade em uma clausura que determina ações de comportamento, a cultura de massas também é o impulso que permite o movimento de um ciclo entre a sociedade e o consumo. Inseriram a chamada cultura inútil nas massas para “vender arte”.
Porém, isso não é um fenômeno novo, no final da década de setenta, o progresso tecnológico unido a idéia de meios de comunicação como produtores da cultura de massa, fortaleceu o que os sociólogos e os filósofos da Escola de Frankfurt Adorno e Horkheimer chamariam de indústria cultural. Um sistema de produção em série, que estudiosos tratariam como antiarte.
Ou seja, a “cultura de massa” não é mais somente àquilo que a esquerda chama de “mercantilização” da cultura, mas ela é considerada como uma atividade econômica e industrial como qualquer outra. Isso designa uma produção original fundada sobre um projeto ideológico novo. A cultura de massa é constituída, em suas formas e em seus conteúdos, na ruptura e não mais na continuidade no sentido de patrimônio cultural herdado ao longo da história.
Assim o neoliberalismo artístico esvaziou a arte moderna de seu princípio criador, de seu próprio projeto, lhe reduzindo à pretendida “aventura das formas”. Dentro da ideia de um fim da história, todos os objetos se equivalem. Portanto tudo pode ser vendido como arte.
Houve mudanças na ordem da quantidade e da qualidade nos processos de produção de hoje, diminuindo a variação e autenticidade de diversos produtos. Isso se aplicou também na produção da informação, bombardeando e atordoando as pessoas com uma verdadeira avalanche informativa, que viria a alterar seu comportamento, fazendo aparecer efeitos sociais.
Hoje só querem escrever livros da moda, livros que possam se tornar Best-Sellers (é claro que não tenho nada contra ao escritor que recebe dinheiro por sua obra, mas escrever só para ganhar dinheiro é uma abominação; prostituiremos o conhecimento). Só que essa situação nos faz retornar ao sociólogo Adorno, para o qual a indústria cultural reduz o ser humano a mero consumidor, o homem perde a sua condição de ser pensante e reflexivo e assume definitivamente o papel de consumidor. Até há pouco tempo, vale ressaltar, o homem ainda ocupava os papéis de produtor e consumidor, mas paulatinamente a produção vem-se informatizando, e com o progresso da técnica industrial, alijando do mercado produtivo o ser humano.
Isso são processos de subjetivação social, produzidos pela lógica do consumo através de uma cultura massificada e as possibilidades de produção de novos modos de ser, denominadas de subjetividades emergentes a partir de uma relação crítica com a cultura. Políticos, sacerdotes, mídias, mercados capitalistas prosseguem dando a vocês pseudo-problemas para resolverem, para que vocês fiquem ocupados com o pseudo.
Ou seja, se ocupem com os livros superficiais e fúteis e esquecem os que realmente incomodam, os quais levam nas entrelinhas a subversão, que desperta o homem. Além disso, há a necessidade de se possuir algo que faça o sujeito tão importante quanto os outros do seu clã, pois todos que acompanham o mundo literário devem saber que a moda agora são livros eróticos, livros eróticos que citam “50 Tons de cinza” na capa, e o “Crepúsculo”, que são publicadas como livros eróticos ou do momento.
Assim, não exijo que leiam obras de artes, mas que devemos começar a olhar para os verdadeiros problemas e não devemos nos preocupar com problemas irreais. Existem problemas reais para serem resolvidos. E isso é um truque do mercado pseudo-literário, como toda Cultura Industrial: criar problemas irreais para que vocês se ocupem com eles enquanto os problemas reais continuam crescendo.
Como dito, o problema não são os livros de entretenimento, mas se trata da cultura inútil nas massas para “vender arte” em nome da grande indústria cultural que age em detrimento da conquista do aprendizado, do conhecimento e age no favorecimento da redução do ser humano a mero consumidor. O problema é a alienação com interesse de lucros de grandes corporações em detrimento do ser humano. O capitalismo selvagem.
O que está ocorrendo é que o público perdeu a sua essência, deixaram de serem homens para se tornarem objetos fabricados em série, moldados por uma educação padronizada, sacudidas pelas notícias da mídia, coisificaram o homem.
Tem uma citação interessante que se encaixa nisso: “a ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor a sua escravidão” (Aldous Huxley).
Dessa forma, essa situação vai além de um prejuízo artístico, ela toca no ponto da vida humana, tanto no seu aspecto social como no individual. Digo isso porque a literatura, como toda arte, é uma forma de tornar a experiência em algo expressivo, porque a linguagem é o único recurso que o ser humano tem e tudo aquilo que não é verbalizado, sem significado, nos domina, já que há aquelas questões obscuras, confusa, dentro de você e que você não sabe o que é. Assim, quando há uma expressão a coisa melhora.
Uma sociedade que não tem um número o suficiente de escritores, poetas compromissados com a arte é uma sociedade incapaz de verbalizar a sua experiência mais real, assim a vida se torna incompreensível e o falar se torna numa repetição estereotipada. A experiência coletiva se torna mais complicada, mais difícil.
Antes a literatura tinha um poder de mudar alguma coisa. Hoje, muito pouco ela interfere no imaginário social. Em meados do século XIX, com escritores como Tolstói, Dostoiévski etc., a literatura estava no centro da arena dos grandes temas, da condição humana daquela época, daquele tempo. Tiraram dela aquela importância, que se confundia com a filosofia, a sociologia, com grandes visões de mundo.
Para mim, a verdadeira literatura é a que representa a angústia do homem pós-moderno. A literatura precisa manter na sua história uma descrição, uma indagação, um exame do drama do homem. Um bom escritor deve ser seu inimigo. Seu verdugo. Seu torturador. O traidor das verdades que pensa ser suas. Aqui é analisar a condição do homem, é cutucar o sujeito, dizendo: “acorda”. A verdadeira arte, na vida pessoal, no ponto de vista do indivíduo, modifica profundamente. Ela coloca a nossa condição em um patamar diferenciado.
Só um adendo: comento aqui sobre verdadeira arte ou verdadeira literatura, não com intuito de descobrir a essência destas (que é uma polêmica na Filosofia da Arte), mas para dizer, de acordo com o contexto, que não se trata da cultura inútil nas massas para “vender arte” em nome da grande indústria cultural que age em detrimento da conquista do aprendizado, do conhecimento e age no favorecimento da redução do ser humano a mero consumidor.
Continuemos… Não tenho nada contra a literatura de puro entretenimento, até porque muitos começaram a gosta de ler através dela, é um fato; entretanto também dá para fazer entretenimento com boa literatura, mas isto seria outra discussão. Outro problema é que os personagens dessas narrações somente veem e sentem.
Porém, como dizia Ernesto Sabato, um dos maiores escritores argentinos do século XX, o homem é algo mais do que um sujeito sensorial, é um animal que salta do caos dos sentidos para a ordem dos objetos idéias, onde se perde no inconsciente de sua solidão ou comunidade, de sua finitude ou mortalidade, da ausência ou presencia de Deus.
Por isso, o que está em crise não é a literatura, ou a arte em geral, mas o conceito burguês caduco da “realidade”, a crença ingênua na realidade externa. O ensaio “Anotações sobre Kafka” de Adorno que o diga. Assim, o verdadeiro escritor continua lá e graças a sua incapacidade de adaptação, a sua loucura conservou contraditoriamente os atributos mais preciosos do ser humano.
É preciso, pois, resgatar a autonomia do ser humano para que se possa construir uma sociedade autenticamente democrática. É preciso dar ao homem condições para que pense a sociedade em que vive, para que reflita e se posicione diante da indústria cultural literária que o ameaça de extinção. Nossa ascensão cultural e intelectual depende unicamente de nós e de nossa independência desses meios nocivos que nos são apresentados em nosso cotidiano. A sociedade de consumo em que vivemos está na contramão de uma sociedade mais justa em que o espírito humano se desenvolva rumo a uma verdadeira evolução benéfica, que nos proporcionará mudanças realmente significativas.
Para isso, penso, o único caminho é a educação, não uma educação pautada nos mesmos valores de técnica da indústria cultural, mas uma educação que prime pela formação de um cidadão livre. Mas, se o governo não coloca uma educação livre, como se é facilmente compreensível o porquê; se o Estado não insere a Filosofia e a Literatura nas escolas como deveriam ser, os filósofos e os escritores devem levar a Filosofia e a Literatura às ruas, a todos os recantos da sociedade, sem a concepção elitista de que para filosofar e ser letrado é preciso estar nas grandes academias.
O lado bom é que muitos já estão levando a boa literatura e as outras artes às ruas, como o projeto “Eixo Cultural”, o ativista cultural, escritor Marcelino Freire e outros mais que, às vezes, não são tão populares, contudo também não menos importante. Aproveito e deixo os meus parabéns para esses guerreiros.
“O verdadeiro ativista cultural é aquele que consegue ver a Arte e a Cultura como plataformas parceiras de criativas soluções educacionais, sociais e políticas. Aquele que só consegue ver valores financeiros e ganhos de mercado não passa de um comerciante equivocado” (Ricardo V. Barradas).