Caio Fernando Abreu – Morangos Mofados completa 40 anos

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Caio Fernando Abreu – Morangos Mofados completa 40 anos

Em “Morangos Mofados”, Caio Fernando Abreu retrata a repressão sofrida na época da ditatura e a angústia humana.

Caio Fernando Abreu: Foto reprodução

Contexto: a importância da obra

“Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha de centro em junco indiano que apoia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados.”

Morangos Mofados, quinto livro de Caio Fernando Abreu, originalmente publicado em 1982, completa 40 anos em 2022. O livro, que ganhou uma nova edição em 2019 pela Companhia das Letras, é considerado uma das principais obras do autor.

Morangos mofados | Amazon.com.br
Fonte: Amazon (sug. da revisão)

A obra é composta por dezoito contos e sua estruturação se dá em três partes: I) O mofo; II) Os morangos; III) Morangos mofados. Por ter sido um livro produzido em período de Ditadura Militar, as temáticas são fortes e carregam o peso da repressão, do desespero, da falta de diálogo e empatia, da ânsia por liberdade.

O mofo: conflito existencial 

Logo na primeira parte, O mofo, o autor nos faz sentir essa atmosfera de maneira intensa por meio do conflito existencial, homofobia e opressão retratados em seus contos. Além disso, ele aborda a solidão e a dor que convivem com o homem, assim como também a sombra dos fracassos, como pode ser visto no conto “Pela passagem de uma grande dor”, no qual os dois personagens que dialogam demonstram sua taciturnidade e problemas existenciais em cada frase dita. 

Os Morangos: sexualidade

Já na segunda parte, Os Morangos, Caio traz novamente a homossexualidade, mas dessa vez relacionada à descoberta sexual, como no conto “Sargento Garcia”, que narra a primeira experiência sexual de um garoto com seu Sargento, mas ainda assim o autor traz a representação da impessoalidade e da falta de empatia nas relações.

 Morangos mofados: esperança

Na terceira parte, por sua vez, pode-se notar um fiapo de esperança surgindo por entre os personagens e seus contextos. A mensagem do autor é de que, apesar de todo o mofo com que temos que lidar, ainda podemos sonhar com novos morangos, talvez não tão frescos, mas definitivamente são morangos por baixo do mofo.

No último conto, Minueto e Rondó, o personagem pensa já ter morrido, questiona a própria veracidade do mundo, depois sente-se melhor e mais esperançoso, como se o gosto ruim tivesse passado da boca – talvez porque o remédio tivesse feito efeito em seu organismo –, e então desiste da ideia de se suicidar e faz planos para a vida: plantar morangos.

 Conclusão: uma obra trágica

A obra consegue retratar a incerteza, o medo, a desilusão e a agonia que se vivia naquela época de tirania e repressão. Por meio de seus personagens melancólicos, Caio Fernando Abreu narra sobre depressão, preconceito, solidão, suicídio, paranoias, uso de drogas, fracasso, AIDS e desamparo. Desta forma, o autor representa toda a tragédia crua e caótica derivada da hostilidade do mundo.  

“Desligou a televisão, saiu para o terraço de plantas empoeiradas, devia cuidar melhor delas, não fosse essa presença viva dentro de mim corroendo carcomendo a célula pirada na alma fermentando o gosto nojento na língua. O cheiro daquele único jasmim espalhado sobre os sete viadutos da avenida mais central. Bastava um leve impulso, debruçou-se no parapeito, entrevado, morto da cintura para baixo, da cintura para cima, da cintura para fora, da cintura para dentro – que diferença faz? Oficializar o já acontecido: perdi um pedaço, tem tempo. E nem morri.” 

Créditos HL

Esse texto é de Gabriela Guratti. Ele teve revisão de Evandro Konkel e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.

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