A leitura e a escrita nos mantêm nesse caminho dúbio
Outro dia eu fui a um evento aqui em Curitiba, um dos cronistas mais hábeis da cidade ia a uma escola falar sobre o ofício da crônica. Nesse eventos encontro gente de quase todo tipo: aprendizes do gênero (eu); gente que lê meio à deriva, sem tanta fidelidade a um gênero, às vezes acompanha mais um autor ou meio de publicação e ali encontra uma leitura para si; quem ache a ideia do evento interessante e vai lá pra ver o que é; e, claro, leitores engatinhando para se tornarem escritores. Antes do bate-papo com o autor começar, fiquei de papo com um amigo que não via há algum tempo, o qual conheci graças a uma amiga em comum – uma que se empolgou tanto com o Travessuras da Menina Má do Mario Vargas Llosa que assumiu o nome da obra para si durante um tempo.
Conversa fiada à parte, ele me falou de suas coisas. Um canal no youtube que apenas começou, textos que iniciou, às vezes dois parágrafos, e disse que algumas vezes escrevia algo aleatório. Entendi aquilo como uma mistura de exercício de escrita, quase um aquecimento. Ele também falou de arriscar contos e outras ‘coisas’, ainda estava buscando o próprio caminho. Compreendi do que ele falava, pois já me senti assim.
A escrita pode nos jogar nesse caminho dúbio. Podemos buscar um tema ou forma de o expressar, testar recursos até enjoar de vê-los em nossas linhas, mesclar conteúdos e formatos; mesmo que uma parte do que gostaríamos de ver publicada esteja pronta, ainda tem chão até isso acontecer, pavimentado com nossas escolhas textuais, às vezes carentes apenas de foco, em outras apenas pedindo para serem escritas. Quando meu amigo falou do que começava ou tentava fazer, me lembrei de textos antigos meus, onde essas dúvidas eram presença constante, eu tivesse ou não consciência disso.
Textos cujos originais joguei fora, desde poesia tosca diletante a publicações em sites que fiz questão de apagar; ideias esquecidas e mal cuidadas de ficções igualmente mal feitas; até contos, no início parecia muito legal escrever um conto para cada tema que me interessasse, até eu me cansar dessa escrita e também de recitar minhas (escassas) referências a cada história, algo que Borges fazia muitíssimo bem – e percebi a tempo não ter a mesma habilidade dele, desistindo de ser uma cópia triste do autor.
Me arrisco a dizer que a prática da escrita e da leitura resolveu generosamente parte dessas minhas dúvidas. Claro que ler o texto publicado é uma satisfação sem igual, incomodar alguém disposto a ler o que você fez (ou ser o primeiro a falar mal, dependendo do amigo), avaliar recursos, tudo isso. Porém, às vezes até essa busca por uma leitura cansa e também pode levar às questões sobre como e o que se escreve.
Não sei o que meu amigo estará fazendo quando eu o encontrar de novo, se estará mais contente com a própria escrita, se buscará algo novo para si, se vai deixar a escrita como um hobby particular, se vai trocar letras por outra expressão. Pode ser que tenha saído de lá com a mesma impressão sobre mim, ou de qualquer pessoa com quem tenha conversado sobre a prática da escrita.
Curioso também foi que enquanto a gente continuava o papo, antes do evento começar, uma mulher perto de onde estávamos nos perguntou à queima-roupa: “vocês são escritores?” Não. Mesmo se fôssemos, teríamos dúvidas, talvez as mesmas de quem está procurando tema ou se sente dessa forma apesar de textos e publicações acumulados com os anos. Vivemos assim, pois a escrita e a leitura renovam nossos questionamentos.