Cantada? O que é isso, é de comer?

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Por ser escritor e metido a poeta, não são poucas as pessoas que acham que eu tenho uma lábia infalível e que basta eu abrir a boca para o mundo começar a florir, coberto de raios de luz e com um belo arco-íris a atravessar uma montanha, e que todas as mulheres logo se quedam apaixonado pelo meu magnetismo verbal e poético.

Não poderia haver maior engano!

Bem que eu gostaria de dizer o contrário, mas sou uma verdadeira negação quando o assunto é cantada. Não levo jeito, não tenho o timing certo – e como muitas cantadas são verdadeiras piadas, eu seria um péssimo comediante do amor.

Meus relacionamentos sempre foram do tipo sólido, daqueles que são construídos por uma série de diálogos e encontros, com temas mais variados que um cardápio de restaurante. De Sartre ao último jogo do Ferroviários, meu time do coração. Coisa lenta, no melhor estilo devagar e sempre. Descobri que era esse o meu ritmo e consegui me adaptar bem a ele. Mas nem sempre foi assim.

Como todo jovem adolescente que não se dava muito bem em relacionamentos afetivos, em alguns momentos eu tive que apelar para as famosas frases feitas e, em outros, para a minha própria criatividade (algo que me ajudou bastante tempos depois, na hora de escrever um conto ou um poema). Os resultados não foram dos melhores, como vocês poderão ver em algumas situações que tão sofridamente relembrei e resolvi dividir. Pois bem, vamos lá:

Situação 1: um bar; um balcão; duas tequilas e três caipirinhas; ela e eu (não necessariamente nessa ordem).

Eu: gata, você tem vinte e cinco centavos?

Ela: tenho.

Eu: ah, então você está com sorte.

Ela: ah é, e por quê?

Eu: porque eu sou um conquistador barato.

Expectativa: ela morde os lábios, me acha um cara mega sensual e me beija loucamente, dizendo que quer ser a mãe dos meus filhos.

Realidade: ela ri (de pena), me acha um cara desesperado e se oferece para conversar comigo sobre os meus problemas mal resolvidos com a minha mãe (como é que eu ia saber que a mãe dela era psicanalista?)

Situação 2: enquanto conversava por telefone com Glorinha, o amor da minha vida no segundo grau. Depois de falar sobre a lição de casa e de alguns silêncios desconfortáveis que pareciam não ter fim, eu decidi despertar o Humberto Gessinger que havia em mim.

Eu (com voz profunda e em tom filosófico): escute, garota, façamos um trato: você desliga o telefone se eu ficar muito abstrato.

Ela: tá bom.

Eu: tá bom o qu…

Ela: tu-tu-tu-tu-tu

Expectativa: sei lá eu. Nem mesmo agora, anos mais tarde, consigo inventar uma possível intenção que justificasse essa minha atitude. Devia ser coisa dos hormônios, só pode.

Realidade: o restante do ano inteiro sem conseguir olhar para a Glorinha sem corar e me achar um imbecil.

Situação 3: noite de sexta, em um bar bacanérrimo da Baixo Augusta.

Eu: gata, vamos brincar de “mostra o seu que eu mostro o meu”?

Ela: claro!

Eu: sério?

Ela: claro, por que não? Ô Jorge, vem cá! (se aproxima um troglodita de quase dois metros, cheio de tatuagens e com camisa do Canibal Corpse).

Ela: pronto, já mostrei o meu, agora… cadê o seu namorado?

Expectativa: ela me arrastaria até o banheiro, ardendo em desejo e paixão, e faria atrocidades comigo, coisas que eu não poderia confessar nem mesmo para um padre surdo.

Realidade: chamei o meu amigo Jorge e até hoje a galera da Augusta acha que somos um casal.

Situação 4: festa de aniversário do Álvaro, música alta e muita gente bonita, noves fora eu.

Eu: pode chamar a polícia e me levar em cana.

Ela: ué, por quê?

Eu: porque estou prestes a lhe roubar um beijo.

Expectativa: ela me pediria para levá-la para a minha casa, tiraria a minha roupa de maneira selvagem e eu teria os melhores 45 segundos da minha vida.

Realidade: disse que não era culpa minha ser feio e que eu era um cara legal, mas que eu deveria resguardar pelo menos a minha dignidade,  que isso nunca iria funcionar e que mulher nenhuma gosta desse tipo de abordagem. Trinta minutos depois o Álvaro disse quase a mesma coisa pra ela e lá foram os dois para o quarto.

Situação 5: alguns anos depois, após já desencanar dessa história de cantadas e afins, encontrei Branca em uma livraria, durante o evento de lançamento do livro de um amigo que temos em comum. Depois de pegarmos nossos exemplares devidamente autografados, fomos para o bar e iniciamos uma conversa tranquila. Até que ela me pergunta:

Ela: Jocê, qual o seu maior sonho?

Fiz uma pausa breve. Me lembrei da inutilidade daquele ar sério, das cansativas conversas intelectuais que serviam como “armas de sedução” para levar alguém para a cama e, percebendo o vazio disso tudo, gracejei:

Eu: no momento, ser astronauta.

Ela: que máximo! Pra poder explorar outros planetas?

Eu: não, pra visitar cada estrela no céu da sua boca.

Expectativa: brincar com meus anos de fracasso como Don Juan e fazê-la sorrir.

Realidade: riu gostosamente, me deu um tapa no braço e me pagou um café.

Foi aí que eu descobri que o timing, o meu timing, era esse: ser apenas eu. Que rir e fazer rir é, e sempre será, a melhor recompensa.

Depois do orgasmo, claro.

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