Em seu romance Capão Pecado, Ferréz apresenta a realidade de Capão Redondo, lugar abandonado por Deus e batizado pelo Diabo
O escritor Ferréz (Reginaldo Ferreira da Silva), autor de Capão Pecado, é um dos grandes nomes da literatura marginal do país. Ele nasceu em Valo Velho, bairro pertencente ao Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Aos três anos, foi morar em Capão, um dos bairros mais violentos de São Paulo e lá vive até hoje, com sua família. Não pensa em sair do bairro uma vez que lá é o espaço onde tem voz, onde é alguém. É também o bairro fonte das histórias de suas obras literárias.
A trajetória literária de Ferréz
Sua trajetória de Ferréz como escritor começou cedo: quando tinha apenas 12 anos já escrevia poesias. Em 1997, lançou seu primeiro livro de poemas, chamado Fortaleza da desilusão. No entanto, somente com o lançamento de Capão Pecado, em 2000, é que teve maior reconhecimento no meio literário.
Também é autor de Manual prático do ódio (2003), um de seus livros mais conhecidos; Amanhecer esmeralda (2004); Ninguém é inocente em São Paulo (2006); Cronista de um tempo ruim (2009); Deus foi almoçar (2011); O pote mágico (2012) e o livro mais recente Os ricos também morrem (2015).
Para saber mais sobre Ferréz, assistam a conferência “Licença poética” feita pelo autor no TEDx.
Capão Pecado: um livro sobre aqueles que estão à margem
O romance Capão pecado é reflexo das histórias das pessoas de Capão Redondo, periferia de São Paulo. Aquelas pessoas que lavam carros, servem comida nos restaurantes, trabalham na padaria, faxinam na casa de ricos, são babás de filhos de ricos, são seguranças em estabelecimentos.
Histórias de pessoas que não têm segurança, que não têm quem cuide de seus filhos e que muitas vezes mal conseguem colocar alimento na mesa. Pessoas que convivem com a miséria, com a violência do tráfico de drogas, com confrontos policiais e com a morte.
O protagonista do romance é Rael, um jovem que vivencia um cotidiano difícil no Capão Redondo, mas que busca ocupar seu tempo lendo livros comprados em sebos e também trabalhando. O personagem estudou em escola pública e sofre com a ausência de coisas básicas, mas necessárias, em sua casa, como cobertores para ele e sua mãe.
Embora apresentado como uma pessoa bacana, Rael comete um erro quando se apaixona pela namorada de seu amigo, Matcherros. A traição é considerada um atestado de óbito em Capão. Enquanto é narrado sobre o surgimento desse relacionamento amoroso/traição, bem como suas trágicas consequências, histórias de outros personagens são apresentadas.
As demais histórias apresentadas são marcadas por violência e miséria. Há muitos viciados em maconha, cocaína, crack. Há alcoólatras, sem esperança e sem emprego. Há religiosos fanáticos. Todos lutando diariamente para sobreviver, no entanto, muitas vidas são interrompidas inesperadamente por tiros. Os motivos das mortes são muitos: acerto de contas, vingança ou até silenciamento.
Aos poucos, Rael se vê perdendo vizinhos, conhecidos desde a infância e amigos. Segundo o narrador do romance, o espaço em que vive o jovem personagem, isto é, Capão Redondo, é um local esquecido por deus e batizado pelo diabo. É o fim da linha. É um grito de socorro.
A linguagem em Capão Pecado
Por fim, é importante mencionar a linguagem empregada para narrar o cotidiano em Capão. A linguagem da periferia é que viabiliza falar sobre miséria, violência, insegurança, drogas e morte. Trata-se de uma linguagem marcada por oralidade, palavrões, gírias e códigos próprios de Capão Redondo.
É a linguagem empregada em Capão Pecado que dá para a narrativa um efeito de realidade, ao denunciar a vida do povo marginalizado e ignorado pelos governantes. No entanto, essa linguagem muito já causou polêmica quando o romance foi mencionado em livros didáticos.
Nesse sentido, vale mencionar que, quando Ferréz publicou Fortaleza da desilusão, os moradores do Capão Redondo questionaram o conteúdo das poesias do livro, falando que os textos não os representavam. A partir daí, surgiu a necessidade do autor de falar sobre Capão e a vivência das pessoas que moram bairro, com uma linguagem que é própria delas.
E Ferréz deixa claro em sua obra: Capão Pecado “é um livro de mano para mano. É ácido e violento. É um grito”, ou seja, é como tem de ser. É reflexo da realidade e da linguagem dos habitantes de Capão Redondo.