Carta de Bukowski sobre ter se tornado escritor em tempo integral

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Veja a carta que Charles Bukowski enviou ao seu editor, John Martin, agradecendo por tê-lo incentivado a ser um escritor após já ter 50 anos de idade

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A não ser que o coração, a mente, a boca e as tripas te peçam, não sejas escritor. Assim sentenciou Charles Bukowski em um célebre poema sobre os requisitos que se devia ter para dedicar-se à escrita. O próprio autor chegou a este ponto: ser escritor em tempo integral ou não ser nunca. Como seus fãs bem sabem, Buk trabalhou durante muitos anos em um serviço municipal de correios num posto medíocre.

Com cinquenta anos, ainda trabalhando como empregado do serviço postal, escrevia colunas para a revista Underground, de Los Angeles, e também colaborava em outras pequenas publicações literárias. Foi nessa época que um personagem provocou uma mudança na vida de Charles Bukowski: John Martin, editor da Black Sparrow Press. Ele propôs ao autor trabalhar em uma jornada completa em troca de 100 dólares ao mês. Suicídio laboral que Buk aceitou.

Mais de dezessete anos depois, o poeta maldito recordou o passado, em carta à pessoa que deu a ele sua primeira chance e publicou seu primeiro livro. Ele agradeceu por ter sido empurrado para aquele ponto irreversível que marcou sua existência.

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Confira abaixo as palavras do velho Buk:

Olá, John,

Não acredito que doa, às vezes, lembrar de onde viemos. Você sabe perfeitamente do lugar que eu venho. Melhor que muitos que pretendem escrever sobre mim.

Eles chamam minha profissão de “um trabalho das nove as cinco”, mas nunca é assim. Aqui não há hora de café da manhã, e se há, não há usamos para isso.

Você sabe bem meu velho ditado: “A escravidão nunca se aboliu, só se estendeu para incluir todas as raças”.

Os trabalhos nunca vão pagar o suficiente aos escravos para que sejam livres, só o suficiente para que sigas vivo e voltes ao trabalho.

Comecei a escrever com nojo de todas essas coisas, para aliviar a raiva de pertencer a este sistema de merda. E agora, que me chamam de escritor profissional, depois de haver perdido meus 50 primeiros anos de vida, me dou conta de que há muitas outras pessoas presas. Como eu uma vez.

Finalmente saí dali, não importa o tempo que me levou, e isso me dá uma espécie de alegria, a incrível alegria que produz os milagres.

Agora escrevo a partir de uma mente velha e um corpo velho, muito além do momento em que qualquer homem se proporia iniciar seu caminho. Acredito que porque comecei tão tarde obrigo a mim mesmo a seguir, e quando as palavras me começam a falhar e me têm que ajudar a subir as escadas, sinto que algo sobre mim será lembrado.  Algo sobre como atravessei um desastre desordenado (minha vida) para ganhar ao menos uma forma digna de morrer.

Não ter a sensação de haver perdido a vida inteira é muito parecido com uma conquista digna, pelo menos para mim.

Seu amigo,

Hank.

 

Traduzido e adaptado do site Hablando con letras

 

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