Da sutileza ao exagero: como essas três comédias podem tirar você do sério e, de sobra, te dar um empurrãozinho para novos olhares.
Depois do revival de todos os filmes de epidemia ou apocalipse que acertaram em suas previsões com títulos épicos como A Última Ressaca do Ano, a gente tende a voltar os olhos pro comum, pro dia-a-dia de personagens que, mesmo trancados no replay de uma película, mantém suas liberdades intactas.
Um feitiço no moço do tempo
Por falar em replay, tem como não lembrar dos clássicos da Sessão da Tarde, que pareciam passar toda semana? Dirigido por Harold Ramis, Feitiço do Tempo não só foi muito reprisado na infância, como merece ser revisitado de tempos em tempos também na vida adulta.
No filme, um repórter meteorológico bem arrogante (vivido por Bill Murray) precisa fazer uma reportagem sobre “O Dia da Marmota”. Esse é um tradicional evento que acontece todo ano em uma pequena cidade do interior. Pretendendo terminar a reportagem o mais rápido possível para ir embora, o repórter fica inexplicavelmente preso no tempo, e acaba tendo que reviver os eventos daquele dia.
Além de ser uma comédia leve e saborosa, é impossível não compará-la aos dias atuais. Trancados em casa, nossa vida parece um replay interminável. Após semanas fazendo as mesmas coisas, vendo as mesmas pessoas, e dentro do mesmo lugar, é muito fácil nos sentirmos presos, exatamente como no filme.
O longa nos questiona o quanto estamos ‘levando nossas vidas no automático’. E agora, em plena pandemia, nos propõe um novo desafio: como acabar com o feitiço do replay dentro de nossas próprias casas?
Feitiço do Tempo usa de muito humor para nos colocar contra a parede várias vezes. O quanto estamos colocando em prática nosso desejo de nos tornamos as melhores versões de nós mesmos? O filme não nos dá o antídoto para o tal feitiço, mas nos mostra alguns ingredientes da receita. Vale a pena!
Aquela comédia francesa
A segunda indicação é uma típica e sutil comédia francesa, que nunca foi exibida na TV aberta, nem mesmo nas madrugadas.
Fique Comigo, dirigido por Samuel Benchetrit, é ideal para desligar a cabeça sem deixar de lado a sensibilidade. Num prédio localizado na periferia de Paris, seis personagens vivem encontros improváveis: um adolescente vira amigo de uma grande estrela do cinema, um fotógrafo cadeirante conhece uma triste enfermeira, e uma idosa abriga secretamente um astronauta americano em sua casa.
São situações bem diferentes, que são entrelaçadas não somente pelo espaço físico em que acontecem. É que há a interpretação que cada personagem dá ao elemento novo dentro de seus dias monótonos.
Do exemplo mais simples, como conhecer um vizinho, ao mais irreal, como abrigar um astronauta, Fique Comigo atua no campo da emoção, e nos mostra que é possível construir relações intensas dentro de marasmos limitados de convivência.
Durante o filme, ouvimos um barulho misterioso que se repete e que cada personagem também ouve e dá uma explicação própria. A razão, pode ser sobrenatural ou simplesmente banal, não importa! O que realmente vale é como as histórias simples ganham valores especiais quando as percebemos além do superficial.
Um nonsense pós-apocalíptico
Se por algum motivo você ainda não viu Todo Mundo Quase Morto, dirigido por Edgar Wright, essa é a hora! Uma típica comédia nonsense que brinca com todos os elementos do sub-gênero apocalíptico.
Desinteressado com a vida, e após ‘tomar uma pé na bunda’, Shaun (vivido por Simon Pegg, que também assina o roteiro) vai para o seu pub favorito ‘encher a cara’ com seu melhor amigo, sem notar que aos poucos, as pessoas à sua volta estão virando zumbis, devido a um estranho fenômeno.
O longa não tem somente um ótimo ritmo para piadas. É que também embala suas cenas de ação com hits da cultura pop, como Queen (em uma das cenas mais emblemáticas), The Smiths, The Specials, e entre outros.
Além de satirizar o que deveria ser os últimos momentos da espécie humana, o filme reflete sobre questões comportamentais bastante consideráveis durante uma pandemia. Uma dessas questões: a alienação.
O protagonista, tão automatizado com sua rotina, chega a caminhar por um quarteirão inteiro em busca de seu café da manhã (uma lata de refrigerante). E faz isso sem ao menos perceber que as ruas estão tomadas por zumbis, e até os confunde com mendigos.
Podemos perceber que é uma tarefa complicada abrir mão dos confortos da rotina e aceitar que o mundo mudou – pra pior. Ainda que isso se dê num período específico. E por isso, é necessário acordar, encarar os fatos e agir, mesmo que seja arremessando discos de vinil de gostos duvidosos nos zumbis.
Durante todo o início, ouvimos sirenes de ambulâncias ao fundo, poluição sonora relativamente comum nas grandes cidades. E é somente quando os alarmes de carros começam a disparar que a coisa fica realmente séria. É que, tem elemento mais apocalíptico que um alarme de carro tocando incansavelmente? Todo Mundo Quase Morto diverte, alfineta, e nos entrega uma ótima experiência catártica de como será o pós-apocalipse – e segundo o filme, será hilário!
Nossa Cinemateca
‘Cinemateca HL’ é a nova série do Homo Literatus para você ter as melhores indicações sobre a Sétima Arte. Assinada periodicamente por gente que entende de cinema. Aproveita!