Entre uma nuance de enigmas que abrange a vida e obra da escritora Clarice Lispector, ainda nos dias de hoje, interroga-se, entre alguns, se um dos maiores nomes da literatura brasileira teria sido uma bruxa. Para quem assistiu a primeira e única entrevista de Clarice concedida para a televisão, transmitida no programa Panorama, da TV Cultura de São Paulo, em 1 de fevereiro de 1977, no mesmo ano de seu falecimento, pode se arrepiar durante seus minutos finais ao ouvi-la responder para o jornalista Júlio Verner: “Bom, agora eu morri. Mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo”.
A entrevista foi ao ar somente após o seu falecimento, no final de dezembro de 77, a pedido da própria escritora. Teria sido uma premonição? Segundo Olga Borelli, uma de suas melhores amigas, Clarice ainda não tinha conhecimento de sua doença, na época (faleceria em 9 de dezembro de 1977, vítima de câncer).
Para quem não sabe, Borelli foi mais do que uma grande amiga, tornara-se também a sua mais fiel escrivã, já que posterior a um incêndio, provocado por um cigarro aceso, deixado pela escritora dentro de seu quarto, enquanto dormia, Clarice tenha sofrido graves queimaduras e ficado com sequelas em seu corpo. Por conta disso, passou a escrever na máquina, como era de seu costume, com grande dificuldade.
Quanto ao curioso título associando a figura da icônica literata a uma bruxa sucedeu-se quando a mesma foi convidada para participar do I Congresso de Bruxaria em Bogotá, em 1975, justamente por algumas de suas obras suscitarem uma laboriosidade de envergadura mística.
No Congresso, a escritora não falou de bruxaria, e sim de literatura; e pediu para que fosse lido em espanhol um de seus contos “que é misterioso até para mim. Um texto hermético e incompreensível. Cheio de uma simbologia secreta”, palavras da própria escritora durante o evento. Tratava-se do conto O ovo e a galinha.
“Se uma dúzia de ouvintes sentir o meu texto, já me darei por satisfeita”, completou Clarice.
O fato é que a sua ida para o tal Congresso foi um prato cheio para a imprensa brasileira da época publicar matérias sensacionalistas e estapafúrdias, envolvendo a escritora à bruxaria, certamente para vender jornais.
Não, Clarice Lispector não foi uma bruxa, como alguns especularam, embora tenha sido uma mulher supersticiosa e uma grande apreciadora da natureza mística das coisas. Na década de 70, passou a ir, por exemplo, mensalmente a uma cartomante, no bairro do Méier, zona norte do Rio de Janeiro (o que, possivelmente, influenciou-a em uma das cenas de sua última novela publicada em vida, A hora da estrela), sob a companhia de um casal de amigos, também escritores, Afonso Romano de Sant’anna e Marina Colasanti, que recontam esta e outras histórias vividas ao lado da escritora em Com Clarice, editado pela UNESP, e que traz uma transcrição de uma entrevista concedida por ela a Afonso, Marina e João Salgueiro, em 1976; além de crônicas inspiradas na amiga e três ensaios analíticos de A maçã no escuro e A paixão segundo G.H..
Outro fato curioso, e que descobri através de uma amiga que faz Letras, é de que as iniciais em maiúsculas que nomeiam a protagonista do livro A paixão segundo G.H. possui supostamente uma simbologia oculta. Se nós contarmos as três letras depois do C de Clarice, chegamos ao G, e seguindo a ordem das três após o H, chegamos ao L de Lispector. Sendo assim, G.H. é nada mais, nada menos que a própria escritora Clarice Lispector.
O eterno poeta do rock, o cantor Cazuza, admirador assumido da obra clariciana, afirmou, durante uma entrevista para a jornalista Marilia Gabriela, em dezembro de 1988, que lia no lugar da bíblia A descoberta do mundo, uma antologia volumosa com mais de 400 páginas onde reúne grande parte das crônicas de Clarice publicadas, entre 1967 a 1973, em sua coluna no Caderno B, do Jornal do Brasil. O cantor afirmou também que, durante uma noite de insônia, ao pegar o livro e abri-lo caiu exatamente numa página onde Clarice falava sobre insônia.
Mesmo não sendo, de fato, uma bruxa, Clarice Lispector sabia fazer magia com suas palavras. Muitos de seus textos continuam sendo verdadeiros enigmas, embora tragam, sobretudo, edificantes “iluminações” à mente de seus leitores.