Nesta sexta-feira, 21/02/2014, a escritora e colunista Lynn Shepherd do famoso e premiado portal de notícias e agregador de blogs americano Huffington Post, publicou uma matéria agredindo a escritora de Harry Potter, J. K. Rowling. A matéria está repercutindo nas redes sociais e atraindo a atenção de leitores e de diversos autores pelo mundo.
Lynn Shepherd escreveu uma matéria que logo no título ataca Rowling: “Se J. K. Rowling se importa com a escrita literária, ela deveria parar”. Confira a matéria no original, em inglês, clicando aqui.
Os ataques da escritora são bastante infundados e contraditórios. Mesmo para quem não é fã da escritora Rowling, mas que tem certo bom senso, percebe que Shepherd faz um show de recalque e inveja. Veja uma das traduções livres abaixo do discurso de Shepherd:
Eu não me importava muito com Rowling quando ela estava por aí “Potteriando”. Eu nunca li uma palavra (ou vi um minuto) de Harry Potter, então não posso comentar se os livros são bons, ruins ou indiferentes. Porém, eu achei vergonhoso que adultos estavam lendo, principalmente porque existem muitos outros livros por aí que estimulariam melhor as mentes adultas. Mas até aí, ler qualquer coisa é melhor do que ler nada, correto? “Morte Súbita”, porém, mudou tudo. […]
Anteriormente, a Shepherd diz que nunca leu uma palavra (ou viu um minuto) de Harry Potter, mas em seguida diz que achou vergonhoso adultos lerem Harry Potter, pois existem muitos outros livros por aí que estimulariam melhor as mentes adultas. Como ela tira esta conclusão? Como saber se os livros de Rowling não estimulam bem as mentes dos adultos se ela mesma diz que “não posso comentar se os livros são bons, ruins ou indiferentes”? Assim, ela segue com suas falas:
[…] O problema não está no fato do hype ter sido excessivo, ou de que o livro não era nenhuma obra de arte e mesmo assim vendeu milhões de cópias, e sim no fato de que sobrepujou todo o resto, não importa o quão bom ou o quanto valia a pena. Esse livro sugou todo o oxigênio de toda a atmosfera de publicação e literatura. […]
[…] Rowling não tem necessidade de espaço nas livrarias, mas outros escritores sim. E agora, uma sequência [de O Chamado do Cuco] está para vir, e essa atenção exacerbada irá acontecer novamente. […]
[…] Esse é meu pedido para J. K. Rowling. Lembre-se de quando O Chamado do Cuco vendeu apenas algumas caixas e pense em quantos de nós estamos presos nisso porque não podemos empunhar uma varinha e transformar nossos livros em best-sellers da noite para o dia ao dizer uma palavra mágica. Continue escrevendo para crianças, ou para seu prazer pessoal – eu nunca negaria isso a ninguém – mas no que diz respeito ao mercado adulto, você já teve seu momento. Aproveite sua vasta fortuna e o bem que está fazendo com ela, aproveite também o amor de sua legião de fãs, e boa sorte em ambas as frontes. Mas está na hora de dar aos outros escritores um espaço para respirar.
Shepherd termina sua fala pronunciando que os escritores estão tendo dificuldades de sucesso, porque Rowling tomou todo o espaço do mundo literário ao dizer que “está na hora de dar aos outros escritores um espaço para respirar”.
A partir do raciocínio da Shepherd, passo a pensar que Steven Spielberg deveria parar de escrever e dirigir filmes, Jay-Z deveria parar de produzir álbuns de hip-hop, Meryl Streep deveria parar de cantar e atuar, etc. Ou, para nos contextualizarmos nesta matéria, os atores do filme Harry Potter, Daniel Radcliffe e Emma Watson, deveriam fazer somente filmes de fantasia e o ator Johnny Depp, do filme Piratas do Caribe, só deveria atuar como um pirata bêbado. Uma vez que alguém tem alcançado um grande sucesso, eles devem dar um passo para o lado ou ficar com um papel estereotipado? Onde está a liberdade artística?
O grande pintor e escultor Michelangelo não parou suas esculturas e pinturas, uma vez que ele tinha esculpido o David (uma das esculturas mais famosas do artista renascentista), e agradeço a Deus por isso, pois seria mais difícil olhar como o mundo teria sido privado de um modo do fazer artístico se ele tivesse parado.
Mas, retomando ao fato em si, o que mais me assusta é que Shepherd critica escritores através de seus livros que ela, descaradamente, admite que nunca leu. Ela destaca a obra Harry Potter como uma leitura não digna de adultos sem ao menos ter lido uma palavra dela. Isso não faz muito bem para a credibilidade de Shepherd.
Como disse o publicitário Gabriel Utiyama, ao comparar os famosos e os não famosos, neste caso Shepherd, uma escritora iniciante e colunista, e Rowling, uma escritora famosa: “é como pedir para o Tarantino parar de fazer filmes porque os dele sempre chamam muita atenção na mídia e atrapalham a carreira de outros diretores. Eu chamo isso de inveja, pura e simplesmente”.
Em sua página de Facebook, a autora das crônicas vampirescas Anne Rice disse que o artigo de Shepherd é “um artigo venenoso, cínico, ressentido e, particularmente, feio. […] E perceber que foi escrito por alguém que também é uma autora deixa tudo duplamente nojento e chocante”.
Não sou fã de Rowling, mas o argumento de Shepherd é totalmente ilógico e sem embasamento ou sem referência séria que mostre que o que ela diz é real.
É bom lembrar que Rowling também teve dificuldades enormes para ter sucesso no início de sua carreira, mas conseguiu, mesmo já existindo grandes nomes da literatura do seu gênero, como a própria Anne Rice e Stephen King, que por sinal, para mim, são bem melhores do que a Rowling. Os dois, porém, jamais foram impedimento para Rowling conquistar seu espaço. A prova é que Rowling está aí com seu sucesso.
Acredito que a dificuldade do escritor conseguir um espaço envolve uma questão do mercado de apostar no novo. E para a educadora Heleniza Saldanha , novos autores enfrentam mais desafios em encontrar uma editora disposta a trabalhar seus livros: “Acredito que os novos escritores sofrem mais por uma questão de falta de editoras interessadas em apostar no novo.” Para ela, se não investirmos em nossos escritores, não temos como esperar algo diferente. Já no exterior, é uma experiência traumatizante para qualquer autor iniciante, a começar que é um mercado supersaturado; são milhares de publicações por mês. Há de concordar que não é Rowling que está proibindo alguém de fazer sucesso e sim milhares de autores se sobrepondo a milhares de autores, muitos ainda até iniciantes.
Tirem os autores famosos e continuaremos nas disputas de milhares de autores não famosos se sobrepondo a milhares de autores não famosos e um deles, um dia, tomará o espaço almejado do sucesso e cairá na mesma lógica infundada de Shepherd… A diferença é que não seria a Rowling e sim outro escritor que conquistou, naturalmente, o tal sucesso. Ou seja, é impossível que pelo menos um escritor não faça sucesso e ao fazer sucesso não é coerente dizer que ele tirou a oportunidade de outros. Por que alguém vai ter que fazer sucesso e, assim, ter que levar a culpa de tirar o brilho de outros sem sucesso? A visão da escritora seria: ou todos fazem sucesso juntos, o que é um absurdo, ou todos não fazem sucesso nunca? Só assim para não ter culpados. Enfim, é ilógico, não dá para escapar desse sistema, como parece querer Shepherd.
E o engraçado disso tudo é que logo no inicio de seu próprio artigo, Shepherd disse: “Quando eu disse a uma amiga o título deste meu texto, ela olhou para mim com horror e disse: “você não pode dizer isso, todo mundo só vai colocá-la para baixo como uvas verdes””. A amiga de Shepherd estava certa. “Uvas verdes” é exatamente o termo que eu usaria para descrever este artigo contra Rowling.
Ou será que tudo isso não passa de um jogo de marketing para chamar atenção?