Saiba como se escreve um romance

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Três escritores dão dicas sobre como escrever um romance na Carpintaria Literária, curso da Estação das Letras.

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Recentemente, participei de um curso no Estação das Letras* com o título: Carpintaria Literária – Como se Escreve um Romance – Técnicas Personalizadas de Trabalho. O curso é composto por três encontros com romancistas, em que eles discursam sobre seu ritmo de trabalho, aconselham e esclarecem dúvidas. Os escritores em questão foram: Antônio Torres, Flávio Carneiro e Claudia Lage (sim, a autora da telenovela vencedora do Emmy, Lado a Lado; ela também é romancista). Para mim, que tenho dois projetos de romance inacabáveis, as aulas foram bastante proveitosas. Então, decidi compartilhar essa experiência aqui, baseada em minhas anotações das falas de cada palestrante. Aspirantes a escritores ou meros leitores curiosos, atenção, aqui vão algumas dicas valiosas!

Antônio Torres

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Antônio Torres

Antônio Torres é um jornalista e escritor baiano contemporâneo, membro da Academia Brasileira de Letras, vencedor do prêmio Jabuti, em 2007, pelo romance Pelo Fundo da Agulha. Outros de seus títulos conhecidos são Essa Terra, O Cachorro e o Lobo e Um Cão Uivando para a Lua, sua primeira publicação. Um velhinho simpático e um ótimo contador de “causos”.

O autor começa o encontro evocando a pergunta: “O que é um romance?”. Sim, porque, na prática, sabemos o que é, no entanto, existe uma dificuldade em definir o gênero. Basicamente, ele explica, um romance é uma história com começo, meio e fim. Ou, citando Balzac: “O romance é a história secreta das nações”. Todo romance possui algo de histórico, cultural e pessoal. O escritor deve ser um observador de sua realidade, antes de criar a sua realidade fictícia. A busca por referências, seja nos livros, seja nas vivências, é crucial. E o romance possui certas regras: personagens, cenários e conflitos, elementos básicos de construção.

Em seguida, outra pergunta: “Que romance queremos fazer?”. O escritor possui um estilo próprio, uma temática com a qual se identifica, um tipo de leitor que acaba selecionando. Ter consciência disso auxilia o trabalho criativo, guiando o escritor pelo caminho que escolher. E não existe receita mágica. É um processo de experimentação e erro. Segundo Antônio, a receita está dentro de cada um, pois o único professor do romance é o próprio romance.

Torres destaca a importância de criar personagens fortes, já que são eles que vão conduzir o enredo. Citando Fitzgerald: “Romance é personagem”. Questionado por uma participante sobre qual a diferença entre um personagem e uma pessoa, o romancista respondeu: o personagem é a sombra de muitas pessoas.

Por fim, quando o romance é concluído, o escritor sente, ao mesmo tempo, alívio e preocupação. Alívio, acrescido de orgulho, por poder ver seu trabalho finalizado. E preocupação sobre o que fará com ele, pensando na luta por uma boa publicação e divulgação.

Antônio Torres também fala um pouco sobre a escrita de alguns de seus romances, em especial Essa Terra, que foi baseado num caso real do qual ele ouviu falar, e Carta ao Bispo, também baseado num caso real, um livro de que ele gosta muito, mas que foi um tanto esquecido pela edição. Carta ao Bispo narra a história de um homem que se mata ingerindo formicida, na casa do bispo em questão, deixando uma carta ao anfitrião. Ele possui uma estrutura singular: cada capítulo corresponde a um passo do suicida, que caminha pelo corredor e deixa marcas de sangue na parede, pois havia cuspido na mão. Antônio parece se inspirar em situações e pessoas que o interessam, criando ficção a partir de seu cotidiano.

 

Flávio Carneiro

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Flávio Carneiro

O goiano Flávio Carneiro é escritor, crítico literário, roteirista e professor de literatura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ganhou o prêmio Jabuti na categoria juvenil com o romance A Distância das Coisas, em 2007. Também é contista, novelista e romancista. Algumas de suas publicações são: O Campeonato, A Confissão e A Ilha, que compõem a Trilogia do Rio. Um escritor com ares de professor, metódico e acessível.

Flávio inicia a aula remetendo à proposta do curso, expressa no título: carpintaria literária. É a ideia de trabalhar a palavra, como o carpinteiro trabalha o móvel. O escritor, da mesma maneira que o carpinteiro, precisa de inspiração para criar e método. Inspiração e expiração, emoção e razão.

Ele diz que cada história tem seu tempo. Escrever exige paciência. E cita Mário Quintana: “Convive com teus poemas antes de escrevê-los”. É importante que o escritor saiba os momentos de persistência, de pausa e de desistência. É preciso também treinar o desapego para fazer o descarte de ideias. Nem tudo pode ser aproveitado, algumas ideias, frases, palavras precisam ser reelaboradas ou mesmo excluídas.

A construção de um romance é um processo lento e desgastante, que envolve euforia e sofrimento. Sim, sofrimento. O escritor é um sofredor, ele brinca. Passa pela angústia de não conseguir escrever quando quer ou quando pode, de ter ideias ótimas nos momentos mais inoportunos, de se perder diversas vezes para encontrar um caminho, etc. Mas nem por isso a escrita precisa ser pesada. Cita Ítalo Calvino: “Escrever é tirar peso das coisas”. Todo esse processo desgastante não precisa transparecer no papel. Essa é a ilusão dos escritores românticos, por exemplo, fazer com que o texto pareça espontâneo por sua simplicidade.

Flávio destaca a importância do narrador. A voz narrativa precisa ser forte, pois dela depende toda essência da história, de como ela será conduzida. Ele confessa ser adepto do narrador-personagem, em 1ª pessoa, pois assim já apresenta o ponto de vista do protagonista. Como exemplo de um bom narrador que faz a diferença no romance, o autor cita Dom Casmurro, de Machado de Assis: a história é banal, porém a narração de Bentinho é o que dá o tom certo ao enredo, tornando-o instigante. Ele também cita Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, utilizando o mesmo argumento. Aliás, um escritor precisa ser, acima de tudo, um grande leitor. Aprende-se muito com os romances, sobretudo os clássicos. Segundo Carneiro, o escritor é um leitor que escreve.

Ao romancista, recomenda adiar ao máximo o momento de começar a escrever. É bom que se fique um tempo convivendo mentalmente com os personagens, amadurecer as ideias; assim, quando você decidir que está pronto para começar, sentirá mais segurança. O ritmo acaba sendo ditado pela própria história. Mas é importante ter o máximo possível de controle sobre o que se faz, para evitar riscos. E revisar sempre, tomando apenas cuidado para que a revisão não se torne uma reescrita infinita.

Uma técnica interessante, utilizada para roteiros, que também pode funcionar com romances, é a elaboração de escaletas. Trata-se do esqueleto das cenas, um pequeno resumo das ações de um momento. Isso ajuda a guiar a escrita, além de dar uma noção de todo. Assim, o escritor pode destacar determinados temas ou personagens com cores diferentes e, ao visualizar o capítulo saberá se está exagerando ou diminuindo a importância de determinado personagem, etc. Flávio mostra trechos da escaleta de Bodas de Papel, filme que escreveu com sua ex-esposa, a também escritora Adriana Lisboa, para exemplificar.

O autor confessa que costuma demorar muito tempo para escrever um romance. Ele levou oito anos em seu primeiro projeto. Isso é um alívio aflitivo para os ansiosos como eu. Flávio conta que, enquanto estava escrevendo A Confissão, achou que o livro estava ficando muito pesado, tom que ele não queria dar à história nesse grau. Então, ele acabou criando outro romance, O Campeonato, de temática mais leve, e só depois retomou A Confissão, dessa vez mais tranquilo. Flávio ensina que escrever não é tarefa fácil, exige muita disciplina, além da pura inspiração, do talento inerente, dessacralizando a profissão do escritor.

 

Claudia Lage

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Claudia Lage

Claudia Lage, nascida no Rio, é escritora de telenovelas, contista, cronista e romancista. Ela tem apenas um romance publicado, Eufrásia, e está trabalhando em um novo projeto literário. Uma mulher feminista, com muito orgulho, e sorridente.

Para começar, ela distribui um texto, capítulo de seu livro Labirinto da Palavra, sobre técnicas de escrita, intitulado Nossas heranças, nossos desterros. A crônica em questão aborda as diferenças entre a narrativa tradicional e a narrativa de vanguarda e como os escritores contemporâneos parecem se situar entre esses dois estilos. De maneira parecida a Flávio Carneiro, ela destaca a importância de ter consciência do conceito de romance que se utiliza e afirma que a escrita tem seu próprio tempo. Uma reflexão inicial sobre o que se pretende fazer, que tipo de narrador adotar, que tipo de linguagem usar, etc., ajuda a guiar o romance. O “resto” é uma consequência, a parte prática.

Ela distribui também alguns trechos de seu romance e comenta sobre seu processo de criação. Eufrásia é baseado em fatos históricos. Eufrásia Teixeira Leite foi uma importante investidora brasileira no século XIX, figura ainda reconhecida no município de Vassouras, no Rio de Janeiro. Ela viveu um romance com o abolicionista Joaquim Nabuco, com quem nunca chegou a se casar, por ele não aceitar uma união com separação de bens. Claudia achou que a história de Eufrásia tinha ingredientes folhetinescos e renderia um bom romance. Então, ela fez uma vasta pesquisa histórica e acrescentou sua porção de ficção a alguns fatos e personagens, menos documentados. Escolheu uma técnica de narração moderna, desfragmentada, para dar um contraste à época em que se passa a história. O narrador ora parece próximo às personagens, retratando seus sentimentos, ora se distancia para abordar fatos históricos, como uma câmera que, de acordo com a cena, se aproxima e se afasta.

Claudia diz que demorou cinco anos na escrita do romance. Teve bloqueios, problemas pessoais e profissionais que a atrapalharam, estabeleceu uma rotina de escrita que nem sempre conseguia seguir… Mas persistiu e, nos cinco meses finais, escreveu grande parte do livro, pois estava com mais tempo e com a história melhor construída na cabeça. Claudia mostra a importância da pesquisa e da persistência.

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Portanto, não idealize a figura do escritor. Ou, caso você queira se tornar um, saiba que um livro não é feito do dia para a noite. Sim, escrever é um prazer, lançar um romance pode ser a realização de um sonho. No entanto, não esqueçamos o árduo caminho a se percorrer até lá. E boa sorte!
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*Estação das Letras é um espaço inteiramente dedicado à literatura, no Rio de Janeiro. Funciona como livraria e administra cursos e oficinas, além de organizar eventos como lançamentos e trocas de livros.

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