Conheça o Puñetazo do Gabo

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Sim, foi um puñetazo o que o filho da mãe do colombiano fez comigo.

Você pega e se desafia a ler um romance inteiro, de quase quinhentas páginas (na versão da Debolsillo), em espanhol. Chega a carregar dum lado para o outro uma versão ridícula, de capa amarela, dum dicionário de espanhol. Por fim, deixa-o de lado. O contexto te oferece a compreensão, como se a poética textual não fosse o suficiente. E você é feliz e triste e solitário e se diverte, numa espiral narrativa que parece não avançar, embora avance, e retorne e vá outra vez adiante. Você está lendo Cem Anos de Solidão (ou Cien Años de Soledad, se for no original).

"Cien años de soledad", com capa da Debolsillo
“Cien años de soledad”, com capa da Debolsillo

Sim, eu sou um babaca, por vários motivos, não apenas os literários. Mas vou me concentrar somente nestes últimos.

Antes de viajar à Argentina, em Julho deste ano, tinha certa resistência aos escritores latinos. Salvo o Borges, autor que realmente aprecio, não buscava conhecer outros escritores da América Latina. E então vou a Buenos Aires e volto de lá com seis livros na mala – entre eles, dois de Gabriel García Marquez – encantado pela língua espanhola.

Antes de embarcar em Cien Años de Soledad, leio Crónica de una muerte anunciada, acho genial, mas depois mergulho no épico, no puñetazo de García Marquez.

O romance que já foi considerado o segundo maior livro de língua espanhola, atrás apenas de Dom Quixote, teve sua primeira edição publicada em Buenos Aires, em Maio de 1967, pela editora Editorial Sudamericana. A tiragem inicial foi de oito mil exemplares. Hoje, após a tradução para trinta e cinco idiomas, já são mais de trinta milhões de exemplares vendidos.

O livro tem um dos inícios mais fantásticos de toda a história da literatura, o qual, segundo dizem, Gabo demorou uma semana para redigir. O resultado foi este:

No original:
“Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo”.

Traduzido:
“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”.

(abro um parênteses para dizer que a tradução, em minha opinião, quebrou um pouco o ritmo ao se utilizar da palavra “diante”, sendo que no original é “frente”).

Mesmo numa leitura rápida, é impossível não notar o que García Marquez faz. É como se ele tivesse um ponto fixo, o Coronel Aureliano Buendía, começasse a oração com um avanço, fosse ao ponto fixo, e depois voltasse ao passado – para fins didáticos, isto se chama uma “prolepse analéptica”. Simplesmente genial.

A história de Cien Años de Soledade é o retrato trágico duma família, os Buendía – Iguarán. Começa com a fundação de Macondo, uma vila isolada do restante do país, por José Arcadio Buendía e sua esposa, Úrsula Iguarán. Daí para frente, o casal tem três filhos: José Arcadio, Aureliano e Amaranta. Posteriormente, já na velhice, Úrsula reflete que a família teve uma sina, todos os filhos nomeados José Arcadio, são impetuosos, enquanto os Aurelianos são calados e estudiosos. E o ciclo vai se repetindo, filhos vão nascendo, incestos ocorrendo, eventos sem explicações naturais, guerras, entre outras coisas que envolvem os Buendía.

Quanto mais eu lia este livro, mais me fascinava o talento de Gabriel García Márquez. Sem dúvidas, o colombiano ganhou o Nobel de Literatura porque merece.

Ao fechar Cien Años de Soledad, tomei um puñetazo – que para quem não sabe, é “soco” em espanhol – no meio do peito. Fiquei um tempo pensando, o coração batendo forte, como só um livro latino poderia impulsionar; só pude falar uma palavra, influenciado pela obra, sem dúvidas:

– Carajo!

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