Ao abrir a boca em frente ao espelho, visualizo uma série de obturações prateadas que cobrem meus dentes do fundo. Quando sorrio, vejo uma dentição mais ou menos alinhada, pode-se dizer até apresentável, fruto do uso de aparelho por nove anos.
Resinas que substituem pedaços quebrados. Gengiva com cicatrizes. Arco colado na parte traseira dos frontais inferiores. Passei boa parte de minha infância em consultórios ortodônticos. Sim, eu tinha muito medo. Minha mãe que o diga. Quase era preciso me amarrar à cadeira e tapar minha boca com mordaça, tamanho era o berreiro. Um caos. Uma vergonha. Enfim.
Mas, acreditem ou não, eu adorava a sala de espera. Motivo: os gibis. Inúmeros e variados que eram, faziam-me esquecer por alguns minutos os terror que me aguardava para dali a pouco. Eu lia vorazmente o máximo possível antes de ouvir meu nome proferido pela secretária, torcendo para que a restauração do pobre coitado lá dentro não desse certo e precisasse ser refeita.
Foi esperando pela minha vez nestes lugares que desenvolvi minha admiração pela Turma da Mônica, o que resultou na fissura pela leitura, que me acompanha até hoje. Mais do que pelos habitantes da Rua do Limoeiro, meu preferido sempre foi o Chico Bento. Ele, Zé Lelé, Nhô Lau e companhia me faziam tentar (em vão) segurar o riso, enquanto os outros pacientes olhavam desconfiados em minha direção. No auge dos meus oito, nove anos, saia dali com vontade de passar um tempo inesgotável lendo aquelas revistinhas, pois, talvez inconscientemente, percebia que aquilo aliviava um pouco minha dura realidade odontológica. Posso dizer que não foi em uma biblioteca que meu interesse pela leitura se desenvolveu, mas sim na sala de espera de consultórios.
Outro dia, ao ir para uma consulta de rotina (ainda possuo um pouco de medo, mas consigo controlá-lo), notei que havia muitas revistas na recepção. Caras, Contigos, Vejas, Épocas. Procurei por baixo da pilha. Nenhum gibi. Havia uma criança ali, inquieta, apavorada com os ruídos arrepiantes que vinham da outra sala. A mãe não conseguia acalmá-la. Não havia nada para distraí-la. Aquelas revistas de gente chata não serviam pra ela.
Pensei no trauma dessa criança, que não extrairia nada de bom daquelas idas ao dentista. Perguntei-me se algum dia ela poderia se interessar pela leitura, se haveria uma situação propícia como aquela para que ela descobrisse que a ficção é a melhor maneira de fugir do mundo real.
Conclui que, talvez, o número de leitores no Brasil fosse maior se os gibis fossem conteúdo obrigatório de uma sala de espera.