Éramos uma dúzia de almas meio perdidas, agrupadas na busca por um bom prato de almoço e de um lugar para o momento mais nobre da refeição – aquela meia-hora de nada pós-engorda. A excursão em busca da comida não nos tomou muito tempo, era uma dessas ideias de um mês atrás finalmente colocada em prática, e lá fomos nós em bando almoçar em um restaurante para criaturas finas, elegantes e sinceras – dessas que empilham alimentos até eles se aproximarem do contorno da barriga.
Claro que após o entorpecimento alimentar ninguém notou quanta gordura ou sal tinha ali, principalmente com o acréscimo de um líquido estranho com espuma em cima. A tal da cerveja, me explicaram. Entendi na hora, afinal eu nunca tinha bebido isso, e até que tem um sabor bom. Só não entendi por que alguns do nosso grupo só sentiam o sabor depois da quinta dose, isso quando conseguiam contar, e a tal cerveja tem um poder muito estranho sobre todos, deixa o sujeito mais esperto ou traz a demência dele à tona. Mas todo mundo se entupia de comida, então a demência ia aparecer cedo ou tarde para todos de qualquer jeito.
Graças a esse duplo nocaute uns ficavam brabos com qualquer piadinha, outros falavam mais alto, uns nem falavam mas riam de tudo, e uns últimos até se faziam ouvir arrotando, na falta de um argumento mais volumoso. Saímos do restaurante, para alívio dos demais presentes – estavam nos olhando com cara feia, ciumentos do nosso barulho e queriam apenas o próprio no recinto. Andamos por duas quadras e chegamos em uma praça, o sol não estava forte naquela hora e não tinha tanta gente lá, então nos apossamos dali.
Três do nosso grupo se empoleiraram em bancos, dois fizeram da grama um lençol, um casal ficou de papo na borda do chafariz, e cada um se largou em um canto. Eu me encostei em uma árvore, a sombra estava boa para um cochilo e eu estava com muita preguiça de latir. Fechei os olhos e adormeci, só fui acordado quando me chutaram na sola da pata e me apontaram que uma das nossas convivas tinha capotado em cima do meu ombro. Eu não sabia que ombro de cachorro era bom lugar para descansar, mas depois de tudo que passamos, quem era eu para discutir? Só olhei para o grupo, mais da metade roncava tranquilamente na praça, largado com a própria pança ou emprestando o ombro de travesseiro para alguém. A criaturinha que se apossou do meu também parecia enterrada no cochilo de dez minutos, então a deixei ali e voltei a dormir. Afinal, o sono pacifica e até iguala os humanos e os animais.