Com o intuito de desafogar o trânsito de ideias que circulam na minha cabeça (pois quando escrevo e coloco um ponto final as histórias não mais habitam os meus pensamentos), desenvolvi o projeto 12 Contos, o qual será postado no Homo Literatus um conto por mês. Aguardo o julgamento dos leitores, assim como críticas e sugestões para melhorar e me tornar um escritor mais qualificado.
***
Chegaram à mesa para mais uma refeição. A sala de jantar está impecável, iluminada apenas por três velas brancas num antigo castiçal vitoriano em uma mesa posta para dois, forrada com uma toalha branca de linho com discretos bordados carmesins. Com os guardanapos igualmente decorados. Quatro taças de cristal, duas com água e duas com vinho, dois pratos de porcelana e um pequeno cachepô com flores campestres.
Ele é alto, esbelto e parece tradicional, mas tem um jeito bem moderno. Ela é alta, esguia e com formas sinuosas, tradicional, apesar de ser moderna. Jantariam mais uma vez, juntos, como em tantas outras ocasiões anteriores.
Da cozinha vem um cheiro de dar água na boca que invadindo a sala saía pela janela avisando aos vizinhos que o jantar estava pronto. Poderia ser pato assado ou pernil, não importa, hoje não chegaria visita, era só o casal.
O clima romântico os envolvia, um do lado do outro, um belo par. Quem quer que os visse diria que foram feitos um para o outro, combinavam tal como o saleiro e o pimenteiro que a propósito também estavam sobre a mesa.
Os pratos foram desvirados quando o jantar foi servido e agora que estavam mais próximos eles flertavam, encarando-se como sempre faziam a cada jantar. Parecem frios como qualquer metal, mas se aquecem ao toque das mãos. E assim belas mãos os tocam à luz de velas refletindo em seus corpos brilhantes. Mal tocam na comida e de pé se movimentam como se fosse uma dança com movimentos sincronizados para lá e para cá sobre a mesa.
Enquanto a carne é partida, eles se tocam, cada vez com mais força. Cada toque produz um suave tilintar, como o som de metais nobres, seria esse o som dos seus gemidos? É uma relação íntima, a relação íntima dos dois, com movimentos suaves se repetindo inúmeras vezes, o que não é nada estranho para eles na hora do jantar. Quase não se lambuzam, são finos e sabem o que estão fazendo, sabem como fazer.
A carne é macia e suculenta e numa sintonia perfeita eles continuam sua “dança” por vezes entrando nas aberturas certas, quando necessário, dependendo do que se está comendo. Por vezes trocam de lugar e um se deita, encostado no prato enquanto o outro faz sua parte, mas logo estão de pé novamente e recomeçam os movimentos que, pela sintonia, parecem ensaiados. Os gestos são suaves e por vezes incisivos e essa perfeita interação revela que, para eles, essa é uma prática comum em qualquer refeição, aliás, nasceram para fazer isso, não eram amadores.
***
Logo o apetite voraz é saciado, e em meio a elogios e gracejos eles terminam sua “dança”. Sempre terminam ao fim do jantar e descansam sobre a mesa, exaustos e precisando de um banho. Chega ao fim, mais uma dança entre o garfo e a faca que foram conduzidos por um casal num jantar romântico. O garfo e a faca vivem uma curiosa e antiga relação amorosa que passa despercebida por milhares e milhares de pessoas ao redor do mundo e agora eles descansam enquanto a sobremesa é servida.