Conto: Roubaram a minha sombra – Diogo Marins Locci

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Primeiro roubaram o meu celular. Foi o que o ladrão pediu. Fui intimado a perdê-lo. O problema mesmo foi ele ter também roubado a minha sombra sem me avisar. Eu não percebi na hora. Só conseguia olhar para o meu desespero.

Foi depois de uns três dias notei este outro furto. Eu andava por uma praça que costumava ir há algum tempo. Era noite. Noite incendiada pelas luzes dos postes. Cruzava uma esquina. Algum pavor me movimentava, resultado do meu medo recente.Foi então que me deparei com ela. Vi a minha sombra em pleno bote, pronta para agarrar meu pescoço, se aproximando da minha pele e me encurralando. Minha voz foi escondida pelo susto e meus músculos se contraíram. Foi como se eu quisesse fugir do meu próprio corpo. Visitar algum lugar a que minha sombra se ausentasse para sempre. O ladrão que levou a minha sombra era um grande incompetente. Não a levou por inteira. Deixou para mim a parte que continha uma parcela de humanidade, e isso é péssimo!

Minha sombra era uma companheira. Ela já foi asa enquanto eu vestia blusas de zíper, já foi Alien quando eu movimentava minha cabeça pra cima e pra baixo, deformando a imagem projetada na calçada, já foi uma fiel escudeira quando eu apenas a via passar atrás de mim e também já foi um monte – mas um monte mesmo – de animais enquanto as minhas mãos assim queriam.

Agora minha sombra é sorrateira. É pavor. É um ser que espera a idolatria atingida através do medo que é capaz de causar. Minha sombra não passeia, ela se rasteja. Minha sombra não me dá forma, ela tenta assumir a minha pra poder me sabotar. Minha sombra não anda ao meu lado, ela anda a minha espreita. Minha sombra não é mais uma extensão. Ela é muito, muito humana.

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