Conto: Velho bar da estrada

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O velho bar da estada
Ilustração de Diogo Maia Caetano

 

Eu conheci esse maluco e mais uma trupe de vagabundos e perdidos na vida nesse bar na beira da estrada, um bar de um velho falido que vive caçando no meio da mata, sumindo por dias deixando sua esposa lá, uma coroa ainda enxuta. A filha deles é uma ninfeta de causar inveja, e levava, segundo os meus cálculos, uma média de cento e vinte cinco cantadas por dia de trabalho, recusando todas elas com uma pose de se admirar, calava a boca dos bêbados perdidos rebolando sensualmente para retomar seu lugar atrás do balcão.

Mas esse maluco do qual eu vinha falando tinha passado a juventude em uma casa de detenção para menores infratores, e ele vinha ali, quase todos os dias, morava ali perto, assim como eu. Éramos dois errantes que só conseguiam aceitar a sociedade saindo do furacão de desespero que se tornaram as grandes cidades, e viemos nos instalar nas cabaninhas pau a pique isoladas perto das montanhas desertas, onde eu escolhi bem o local pra ficar, afastado, mas com boa visão para a estrada, para eu ver essa gente que corre o mundo.

Conversava com esse maluco, mas estava um pouco entediado, fui pra minha cabana, mas no fundo queria ir embora dali. Só que aí me lembrei de quando tive o surto na cidade, olhando para todas aquelas pessoas, todo aquele ritmo. Ah, Ginsberg, eu também vi a minha geração morrendo de fome, mas não estavam histéricos nem nus, estavam passíveis e cobertos de penduricalhos. Todas as vezes que penso nisso acabo me acalmando e aproveitando mais a vida nessa cabaninha, olhando aquela estrada bonita, e aquele bar onde passa tanta gente, que troca algumas palavras com a gente, fala um pouco da vida, depois vai embora e nunca mais veremos. Romantizado, eu sei, mas o que me resta?

Depois de escrever um conto, voltei ao bar da estrada. Eu gostava de beber o estoque de vinhos que eu tinha na cabana, que, diga-se de passagem, por essa hora já está quase acabando, o que tornará daqui a alguns dias minha permanência por aqui um tanto questionável. Mas eu gostava também de ir beber umas cervejas com aquela trupe de desconhecidos que aparecia vez ou outra por lá. Eu ficava, da cadeirinha confortável debaixo de umas árvores, observando o movimento lá do bar. Se aparecesse alguns carros ou motos diferentes eu corria pra lá pra tomar umas e ver se conhecia alguma gente interessante. Nesse dia vi um pessoal que foi chegando de carona. Primeiro veio um, com cara de mendigo, minutos depois veio outro, vestido da mesma maneira. Depois outro, mais um outro e, minutos depois, duas garotas. Todos entraram no bar. Resolvi descer para conferir.

Pedi uma cerveja e fiquei ali mesmo no balcão. A trupe que tinha chego de carona se conhecia, e estavam sentados ao meu lado. Os caras eram todos barbudos e traziam uma mochila média. As mulheres, lindas por sinal, estavam com mochilas um pouco maiores. Falavam dois, três, quatro idiomas entre si. Pareciam ter vindo cada um de um lugar diferente do mundo. Resolvi puxar papo e descobri que estavam atravessando as Américas de ponta a ponta, do glacial norte do Canadá às geleiras no sul da Argentina. Os caras eram bacanas, e me contaram todos os porres que tomaram e as pessoas que conheceram. Era a segunda vez que faziam essa viagem. Eles gostavam de todos os povos, em todos os lugares existem pessoas boas e más, mas me disseram que preferiam os mexicanos e colombianos, muito mais simpáticos e abertos a conversas e curtições. Os caras eram bacanas, logo descobri que eram gays, eles me perguntaram o mesmo, e respondi que não. A conversa foi super amigável. Uma das gurias tinha namorada, e a outra era hetero e estava sozinha, mas meio triste, achei que não rolaria nada, embora tenha me interessado muito por ela. Disseram que era artista plástica e pianista.

Duas horas depois, as paredes da cabana balançavam e aquela artista linda estava deitada comigo. Estávamos bêbados e carentes, então transamos loucamente durante algumas horas. Eu não conseguia me desgrudar daquele corpo, com uma leve barriguinha, com estrias na parte de trás. Mas como ela era bela. É dessa imperfeição que eu gosto, dessa coisa esculpida e não acabada, sujeita ao tempo e às deformidades. Eu amo mulher assim. Gosto desse toque no corpo todo, sem tabus. Essa coisa de filme pornô, onde o contato é só no órgão sexual é pura construção boba para o mercado cinematográfico pornográfico. Mais que penetração, o sexo é toque, é abraço, é beijo em todas as regiões do corpo. Eu gosto de beber o vinho do corpo dela, licoroso, com taninos marcantes, o semi-odor do suor, do transpirar nos lençóis.

Ela me chamou para continuar com ela, abandonar a cabana. Eu a convidei para ficar na cabana, para plantarmos alguma coisa, produzir alguma obra genial e tentar salvar a humanidade, pois nossa geração estava quase perdida. Ela riu porque eu ainda acreditava nas utopias. Mas vamos decidir isso quando ela acordar. Agora ela dorme, tentando se recuperar do sexo e da bebedeira que o antecedeu. Há meses eu não tinha isso. Fiquei só fitando o teto, sentindo a baforada de ar quente que vinha pela janela aberta. Com certeza seus amigos já estavam bêbados e jogados pela mata, eu mesmo fui o responsável de apresentá-los. A última memória que tenho é que eles estavam fumando uma erva maravilhosa e discutindo sobre a medicina no país. Dentro de alguns minutos eu dormirei, abraçado a essa pequena, provando que sexo é muito maior do que essas coisas que a indústria nos coloca. Talvez eu a acompanhe, para tentar descobrir exatamente o que vim fazer no mundo, para tentar executar o que alguém me delegou, mas esqueceu de me informar. Mas só vou decidir depois de acordar, e ver se tudo aquilo que eu venho vivendo e bebendo não passa de um sonho, de uma realidade inventada para suportar tudo o que o mundo nos impõe.

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