Corrupção, uma palavra incansavelmente repetida nos últimos tempos. Afinal, ela é parte da natureza humana? Seria uma tendência latente que se manifesta conforme o meio e as oportunidades?
É certo que a corrupção faz parte da história da humanidade, e deve ter surgido quando o homo-sapiens descobriu que podia facilitar sua vida tramando com outros homo-sapiens para obter vantagens para si ou para seu grupo, sem precisar usar o tempo todo da força bruta, o que sempre demanda maiores riscos. Enfim, percebeu outra finalidade para a inteligência mais complexa, aquela da qual só sua espécie fora dotada e na sua forma mais perversamente pragmática.
Há relatos de corrupção na Grécia antiga e no antigo império romano. Segundo o professor de Filosofia Inácio Strieder, há em registros históricos muito antigos testemunhos da corrupção humana. O grande Papiro Harris, com 41 metros, escrito durante o reinado do faraó Ramsés IV (1151-1145 a.C.), da XX dinastia, fala de uma corrupção endêmica no Egito da época¹.
A corrupção é uma distorção do caráter humano, que se torna mais explícita e repulsiva na esfera política. Quanto mais poder e posses tiver o indivíduo, mais facilmente pode corromper à outros em prol de seus interesses, na medida em que ser dotado de influência e poder de decisão, seja no âmbito público ou privado, facilita muito as coisas.
Mas a corrupção não se restringe ao suborno, ela se estende à evasão fiscal, à todo tipo de exploração do trabalho e corrói a ética que deveria reger uma sociedade. Muitos pensadores refletiram sobre o tema e apesar de pontos de vista divergentes, todos têm em comum que a corrupção é um dos males sociais mais danosos. A famosa expressão “homo homini lupus”, ou seja, o homem é o lobo do homem, do pensador Thomas Hobbes, pressupõe uma natureza destrutiva movida por instintos de sobrevivência que seriam depois moldados pela sociedade. Hobbes defende portanto a existência do Estado porque acredita que somente através de suas leis é possível frear esses impulsos. Mas então caímos num impasse, já que o Estado é organizado e conduzido por esses mesmos homens. Embora haja controvérsias sobre a existência ou não de uma natureza humana má, podemos observar ao longo da história como ideais de justiça e igualdade vão se degenerando com a chegada de seus defensores ao poder, em diferentes regimes de governo.
Para Aristóteles, o que caracteriza a corrupção dos sistemas de governo é a sobreposição dos interesses privados aos interesses públicos, e de como ela é degradante tanto para a moral quanto para a ética, porque embora as duas se relacionem, ambas são distintas. A moral são costumes e normas de conduta aceitos dentro de uma determinada sociedade enquanto a ética é reflexão, é o questionamento da moral, o nosso comportamento diante de determinada situação. Em outras palavras, nem tudo que é moral é ético, mas tudo que é ético é moral, pois a ética se encontra além do indivíduo e de regras estabelecidas.
Para Nietzsche, a corrupção apareceria de tempos em tempos por ocasião de grandes mudanças de cultura, já que os valores morais não são fixos e mudam ao longo do tempo. Nietzsche não se atém ao julgamento moral da corrução, a vê antes como um sintoma e indaga sobre suas causas. A extrema valorização do individualismo na era moderna seria uma causa, e junte-se à isso o excessivo culto à aparência na era contemporânea. Houve tempos em que a belicosidade, a inclinação para a guerra, era um valor moral de virtude, e para Nietzsche as épocas de corrupção não são mais doces nem mais brandas do que as épocas de guerra, antes se tornam mais e mais refinadas no uso político que dão à crueldade. É precisamente nessas épocas que é criada a maldade; é nelas que o prazer na maldade cresce e frutifica. Por conseguinte, as épocas de corrupção são necessariamente épocas trágicas:
“O modo de ferir e de torturar os outros com palavras e olhares atinge o seu máximo desenvolvimento em épocas de corrupção. Os homens da corrupção mostram-se espirituosos e caluniadores. Eles sabem que existe outro gênero de assassinato além daquele que exige o punhal ou o golpe de mão. Eles sabem que tudo o que é bem dito é acreditado.”²
A psicanálise, como não podia deixar de ser, explica a corrupção se voltando para os processos mentais humanos. Segundo estudo de Marion Minerbo, psicanalista e membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, a corrupção pode ser compreendida como um fenômeno que tem origem através da combinação de três espaços psíquicos distintos, quais sejam, o individual, marcado por um funcionamento mental paranoico; o intersubjetivo, no qual o indivíduo que tem poder, abandona a razão, através do convívio com outros indivíduos; e por fim o institucional, em que a corrupção se torna verdadeira instituição.
Através do entrecruzamento desses três campos da psique, originam-se três tipos de corrupção distintas, quais sejam: como sintoma de uma estrutura patológica; como efeito de um desvairamento (quem sabe aí se encaixando os excessos de nossa personalidade egocêntrica); e como modo de vida.
Parece que no Brasil a corrupção há tempos enraizada na sociedade, se encontra bem colocada nos três quesitos: é patológica, intersubjetiva e institucionalizada, e como sintomas do sintoma temos o cinismo e a parcialidade.
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¹Corrupção: Considerações filosóficas, de Inacio Strieder.
²Parábola da Corrupção: Nietzsche e a Décadence, de António Bento.