Eu precisava almoçar fora naquele dia, então poderia me acontecer de tudo, desde uma comida morna e sem tempero até uma boa refeição por um preço que eu estivesse a fim de pagar. Me lembro que naquela tarde minha mãe estava pelo centro, onde eu também estava, e me sugeriu um restaurante na Voluntários da Pátria, em direção a Praça Rui Barbosa. Aceitei a ideia e almoçamos lá.
Era um espaço razoável, não insanamente apertado quanto se espera de um restaurante, mas tendo uma mesa com espaço para comer, tudo bem. Uma entrada no térreo, logo vi uma escada que dava acesso ao andar de cima, um pouco menos lotado que o de baixo; no buffet, pessoas andando em ritmo lento até chegar a vez de pegar o que quiser, pedir um acompanhamento e depois caçar um assento vago. Gostei do restaurante, e em outras vezes que precisei almoçar no centro me lembrei da indicação de minha mãe.
Reparei mais na casa à medida em que almoçava lá. Paredes e chão brancos, mesa com térmica de cafezinho no andar de cima, uma promoção para fregueses, mudanças diárias nos acompanhamentos – carne de peixe, frango, ovo frito, demais variações, e me acostumei a sentar em uma das mesas próximas da entrada. E aquilo.
– ALMOÇO
Na primeira vez que ouvi eu não sabia de onde tinha vindo o berro.Não parecia de cliente algum, todo mundo com a boca cheia (ou em vias de). As pessoas na fila do caixa estavam com um jeito como que pacificadas pela comida, não podia ser dali.
– ALMOÇO
De novo o berro! Eu não estava alucinando, tenho certeza. Só estava almoçando. Descobri a origem do grito em outra vez que fui lá. Era um funcionário da casa, alto, de traje urbano e tão incógnito quanto os clientes, que ficava no lado de fora da porta do restaurante, gritando para quem estivesse passando na rua. Alternava os berros entre anúncios do preço, acompanhamento, opções de salada e carne e aquele já conhecido por mim: ALMOÇO, parecia até que toda a força vocal dele se concentrava nessa palavra, cuja imponência podia ser ouvida antes de mesmo de se chegar no restaurante, como eu a ouvi noutras tardes em que retornei àquela casa, cerca de cinco passos antes de entrar nela.
– ALMOÇO
E lá estava o homem a berrar, atraindo gente ao local com sua chamada. Em um horário no qual normalmente ninguém pensa graças à fome, esta única palavra é um convite. Descobri que o vozeirão não é a única habilidade daquele funcionário: também indicava lugares vagos aos clientes, achava um garçom ou garçonete que levasse uma bebida à mesa, e já o vi aparecendo como se tivesse vindo do além apenas para resgatar um talher caído no chão e prontamente o substituir por um limpo. Um poliglota, em resumo.
Mas uma vez em que almocei lá foi estranha. Sem a chamada externa tampouco a presença do dono da voz, tinha outro homem do lado de fora. A voz era calma demais para chamar possíveis clientes à casa, parecia mais voltada para si do que para o mundo; segurava um cartaz com o preço, nenhuma entonação vocal extra e nem meia velocidade de seu colega para indicar assentos vagos ou aparecer do além. Nunca descobri se o dono do potente anúncio adoeceu, se atrasou, perdeu a voz na comida. Até achei o restaurante um pouco diferente aquele dia.
Outra tarde, e eu de novo precisava almoçar fora. Lembrei daquele canto ao qual me acostumei e decidi arriscar, mesmo com a impressão estranha da vez que contei no parágrafo anterior. Cobravam o preço que eu podia pagar, afinal. Voltei lá, e ouvi.
– ALMOÇO
Era o mesmo restaurante que eu conhecia! Eu já podia almoçar lá de novo.