Crônica: A vida curta dos sonhos – Diogo Marins Locci

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“Mas então a pomba da esperança começou sua descida
E eu acreditei por um momento que minhas chances
Estavam se aproximando para serem agarradas
Mas enquanto caía por perto, também caía uma lágrima cansada
Eu achei que fosse um pássaro, mas era só um saco de papel.”

Fiona Apple – Paper Bag

Um sonho realizado precisará se sustentar através da realidade. É a partir daí que ele migrará para um entre dois caminhos iminentes: A morte certa ou alimentação através do ilusório para continuar satisfazendo o conquistador do sonho. É que nossos desejos são moldados de acordo com contextos muito específicos. Uma etapa da vida pode transbordar uma significação que você acha que será apropriada para sempre quando, na verdade, as significações que já cumpriram seus papeis poderiam ir embora sem maiores danos, desde que não tivéssemos impregnado as vontades com insistência, com o vigor de quem quer ver os sonhos se metamorfoseando em outros, como se eles pudessem se estender do seu plano transitório para uma realidade fixa.

O prazer dos sonhos não é constante. A realização cumpre o seu papel e depois se vai, deixando talvez incentivos para próximas oportunidades. Não vejo como possibilidade a eternização de algum bem. O que vejo exaustivamente foram bens que, de sensações tão boas que deixaram, foram reaproveitados e reciclados exaustivamente, chegando ao ponto de sustentarem alegrias que, mesmo menos intensas que as dos sonhos, eram suficientes para não fazer uma pessoa sucumbir em alguma frustração.

Lembro-me de passagens de ficções literárias que faziam os sonhos se eternizarem nas vidas dos personagens. Acho uma saída fácil e pouco inteligente da parte do escritor. Os personagens, depois de se beijarem (provavelmente após terem comido o pão que o diabo cuspiu, já que amassar é muito pouco) e encontrarem a resolução de todos os problemas nas palavras doces do parceiro, não enfrentam mais nenhuma adversidade e o romance acaba em evasivos “andaram de mãos dadas, ansiosos pela vida que teriam a frente” ou “acalentaram-se em um sincero abraço. Tornavam-se apenas um corpo que se sustentaria para além do toque da morte”. Não há a previsão óbvia das mudanças que regem o caráter das pessoas em passagens como essas. Não somos assim tão estáticos, tão previsíveis.

Um jeito mais claro de esclarecer a ideia é pensar em uma música que você apreciava muito há algum tempo. Uma dessas que você ouvia exaustivamente, que já sabia a letra de cor e imitava até as entonações mais difíceis do cantor. É provável que se você a ouça hoje em dia, continue a observar e comentar os valores mais óbvios da música, apesar de não ter mais a vontade de ouvi-la todas aquelas vezes e cantar com a mesma alegria e sensação de novidade. Não dá pra resgatar coisas que já foram adaptadas.

Existem poucas possibilidades. Ou você reordena o seu olhar ao objeto de apreciação ou deixa que ele morra dentre outras lembranças e faça parte de uma das muitas mutações que você provavelmente viverá. Os sacos de papel jamais se tornarão pássaros.

 

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