Crônica: Ainda há esperança – Sergio Trentini

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Hoje, no ônibus, havia três pessoas lendo. Ainda há esperança, pensei imediatamente. Três entre 70 seres que podem ser divididos facilmente em três categorias: Em pé e espremidas, sentadas na janela e espremidas contra o vidro e sentadas no corredor espremidas contra as coxas dos integrantes da primeira categoria. Existem duas subcategorias: uma daqueles que querem sair logo do ônibus, da qual constam – de acordo com meus cálculos – 66. Eu estava entre os outros quatro. A categoria dos que, mesmo desconfortáveis, tinham certo lazer dentro do coletivo.

Nessa subcategoria, junto comigo estavam os três leitores. Como leitor voraz é reconfortante encontrar outros que mesmo em condições adversas não conseguem abandonar uma boa história. Como escritor, nos dias de hoje, é ainda mais reconfortante. É como se o mundo tomasse mais cor. Como se a voz de um apresentador de programa criminalístico querendo chamar atenção ecoasse em meu cérebro: “Olhem esse jovem, telespectadores! Mesmo com poucos leitores não desiste. Acompanhem esse lance comigo, ele encontrou algo nunca visto antes. Entre braços e bundas dentro do transporte coletivo ele avistou três leitores! E pode haver mais, o campo de visão dele está bloqueado, mas acreditem: pode haver mais leitores! A grande epifania para escrever seu primeiro livro está chegando. Está chegando, acreditem! Ainda há esperança, telespectadores!”

Incrível. Os três viram a página ao mesmo tempo. Um sorriso nasce em meu rosto, mas logo desaparece atrás da axila de alguém que tenta se ajeitar. Preciso ver quais títulos estão lendo esses seres extraordinários. Talvez nem sejam daqui, podem ser enviados de outro mundo.

Então: uma onda. Uma onda de gente.

Querem descer do ônibus e me arrastam junto. Não! Tento, em vão, nadar contra a corrente. Logo estou fora do coletivo. Três pontos antes do meu. Três pontos, como reticências. Decido por não pegar outro ônibus. Melhor andar esses três pontos para ver o que acontece. Dizem que todo grande escritor nasce do drama, da perda, do sofrimento. Meu sofrimento foi esse. Andar os três pontos. Nenhuma grande inspiração surgiu disso. Até agora, apenas uma crônica. Mas não desisto. Ainda há esperança…

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