Crônica: O instante, a chama e o gato – Diogo Marins Locci

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A vela consome o ar aos poucos. O ar dá-se à vela sem oposição. A fumaça é o beijo que se consome pelo tempo, fazendo com que suas sobras sejam cheiros e pavio. A chama é dela mesma. Ela domina, mas não se impõe a nada. O que vem pra chama, vem por que quer. A chama se espalha no que pode. Os gatos lambem o que querem. As línguas ásperas se apetecem do que podem.

O bigode do gato indica: há chama. A chama não pede pelo bigode do gato. O gato se aproxima da chama que não o convida e a chama não se convida pra sair. É neste momento que se pode dizer que o instante existe. Ele é a intromissão do gato na vida da chama. É o bigode dilacerado pelo fogo. O gato tem os bigodes devorados pela vela, que é imperdoável. Um mio de desprazer põe à prova o instante. Agora o gato sabe que de todos os instantes, não são todos que devem ser causados.

A chama não sabe de nada. Para ela, o instante é a existência toda. Até a última parte do pavio. Até o fim do farfalhar esfumaçante. Uma boêmia. Caçadora de alegria e excitação. O gato ainda terá seus instantes. Fecha os olhos e os bigodinhos queimados roçam a cama. Os sonhos dos gatos são misteriosos. Os sustos os acordam demais e nunca se pode saber o que havia nas mentes deles. A chama se esvai. Acalora um espaço e faz dele outro instante. O instante do gato é frio, mas é aprendizado. Novos instantes virão. Mas dessa vez, bem longe das chamas.

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