Crônica: Papilas depressivas – Sérgio Trentini

0

Minhas papilas gustativas – e já ressalto aqui, na primeira linha, que esse é um excelente nome para papilas – estão nervosas. As papilas gustativas são responsáveis pelo reconhecimento do sabor das coisas que ingerimos. Um homem sem elas é um homem sem gosto – pela vida. Quantos destinos já foram decididos pelo prazer ou desprazer que as papilas proporcionaram. Vejo claramente todos os membros do senado Romano tomando um péssimo café antes de fatalmente decidir pelo assassinato de Julio César. Talvez, se o café estivesse agradável o rumo da história fosse outro. Talvez Kennedy estivesse vivo.

E se John Wilkes tivesse comido uma boa torta de chocolate naquele 11 de abril, talvez não tivesse assassinado Lincoln, mas sim, convidado o presidente dos Estados Unidos à uma conversa agradável, para discutirem seus diferentes pontos de vista. Nunca saberemos o gosto da maçã que Adão e Eva mordiscaram, mas sabemos o gosto que estava o café da manhã de Deus naquele dia. Amargo.

Há também aqueles dias quando a tristeza é tamanha que não queremos sequer degustar qualquer alimento. O estomago está fechado, a boca não se abre e as papilas decretam greve. Não calculam sequer o gosto daquele refluxo amargo que a falta de comida causa.

É sob essa ótica que imagino o que comeu no almoço de hoje aquele gari que vi varrendo a rua e cantando feliz. Tomate que não foi, pois o preço subiu 200% em um ano. O jeito é avisar as papilas que o máximo que terão do tomate, por agora, é extrato. E só enquanto o extrato bancário continuar mediano. Amanhã, já não sei. E por isso que elas estão nervosas.

Talvez as papilas tenham que – em um ato de selvageria – degustar umas às outras. Suruba gustativa. Bacanal das papilas. Chamem do que quiser. Eu e meu estômago chamamos de fome. E isso não me inspira. E o resultado você pode ver nessa crônica. Amarga.

Não há posts para exibir