Uma visão bem-humorada do paralelo entre Literatura e Música – ou apenas zoeira descritiva mesmo
“Você lê livros como escuta música”, me disse um amigo meu. Esse meu amigo, a quem vou chamar de EG para não o expor demais, e eu estávamos conversando sobre livros, e ele me disparou essa quando me perguntou meu gênero favorito. Não me pergunte qual foi a minha resposta, não me lembro, mas se ouvi a frase acima foi porque o enrolei muito.
Eu não sei responder a essa pergunta – e nem quero. Mas tê-la ouvido deste amigo em especial foi curioso porque conheço seu gosto. Algumas referências musicais nossas coincidem, e já perdemos as cabeças em shows aqui em Curitiba, do Heavy Metal mais ‘clássico’ do Iced Earth ao som descontraído e metido a mafioso do Adrenaline Mob, mas te aviso que somos cuidadosos e compramos cabeças novas após os shows.
Apenas para as perder de novo até nossa cidade receber uma banda que a gente goste, claro – e nisso nos assemelhamos a leitores cuja imersão é tão profunda quanto alucinante. Você sabe, coisas leves feito Ulysses ou Busca Onírica por Kadath, mas se quiser um material menos lisérgico, um livro do Italo Calvino pode te levar para uma viagem mais segura. Até você encontrar sua assombração favorita, cada um cultiva a própria insanidade com as páginas, notas e neuroses que refletirem sua alma.
A do meu amigo, EG, é preenchida com colcheias e semicolcheias disparadas com muita, muita técnica, e antes que eu consiga perceber o final de um arpeggio ou imaginar onde começa o tapping, a música deu uma volta de 180 graus e eu já me perdi – nesse instante EG está se aquecendo.
Isso muda quando ele me pede para mostrar algo que eu esteja ouvindo, saímos das acrobacias de um Dream Theater ou um Between the Buried and Me e posso mostrar uma tralha amistosa do meu acervo, da forma sem forma do Opeth ao som cósmico do Cynic ou a insanidade do Portal. Seus equivalentes musicais mais próximos (ou menos distantes) seriam James Joyce, Octávio Paz e HP Lovecraft, pelas mesmas características.
Um detalhe importante: não estou tão envolvido com música, tampouco meu amigo com literatura. Não digo de forma pejorativa nem irônica, é apenas um fato. Ambos somos guitarristas, mas eu me tornei sazonal ao extremo e até folgado, enquanto ele tem no braço da guitarra uma extensão do próprio. Eu leio todo dia, por razões pessoais e profissionais, e invejo em determinados escritores uma precisão absurda de raciocínio para descrever sensações e pessoas; e uma vez EG disse que lê três páginas em um dia e esquece o livro n’algum canto até a próxima semana, quando o lê.
São ações naturais. Cada um nutre sua paixão, e embora elas apontem para culturas diferentes não é difícil encontrar semelhanças no cultivo do repertório, e me arrisco a dizer que escritores pensam como músicos. Pode ser o oposto se você quiser, desde o artista maluco, chamado de experimental após sua obra ser apreciada pelo mundo, àquele mais direto e sem tanto interesse em brincadeiras de linguagem ou misturas de gêneros, de produção linear e mais objetiva.
Pesadas em uma balança, minhas leituras e as canções de EG teriam o mesmo peso. Se explorarmos mais as origens das letras e das notas é provável que a gente encontre semelhanças e até influências mútuas desses dois campos. Não sei o que pode vir disso, talvez um riff para EG mesclar aos seus ou uma frase que me cative. Mas não vai se igualar a uma descrição bem humorada e certeira pelas palavras de um amigo.