Em Mulheres Apaixonadas, D. H. Lawrence descreve relacionamentos que incomodaram o puritanismo do início do século passado
David Herbert Lawrence (1885-1930), mais conhecido apenas como D.H. Lawrence, é lembrado principalmente pelo romance O Amante de Lady Chatterley, de 1928, que talvez tenha sido mesmo seu melhor livro. Mas o autor inglês brindou o mundo com outras belas obras, como é o caso de Mulheres Apaixonadas (Women in Love).
Romance concluído durante a estadia do escritor na Cornualha, Mulheres Apaixonadas foi recusado por vários editores antes de ser publicado nos Estados Unidos em 1920. A obra causava escândalo por sua atmosfera sensual. Na verdade, o volume nada traz de apelativo ou pornográfico, apenas mostra a sexualidade como parte integrante da natureza humana, sem qualquer exagero ou sensacionalismo sobre o tema. Aliás, mal se fala propriamente de sexo: são abordados – isto sim – casamento, paixão, amor e convivência familiar. Ao longo dos seus 31 capítulos, Mulheres apaixonadas não apresenta descrição de relações sexuais, as quais são apenas insinuadas. Para o puritanismo reinante na época, entretanto, até isso já era incômodo.
A narrativa é focada em especial nas irmãs Úrsula e Gudrun Brangwen. A primeira tem 26 anos e é professora primária, enquanto a outra tem 25 e se dedica à escultura, tendo retornado de Londres para a casa dos pais em Beldover, onde sua irmã mais velha permanecera. As duas apresentam concepções de mundo avançadas para a época, contestando – em suas conversas – a importância do matrimônio. O assunto retorna frequentemente, o que mostra que, mesmo para as duas jovens intelectualizadas, arranjar um marido não era assim tão irrelevante.
O interessante nas duas personagens não é a simples rejeição ao casamento (até porque elas acabam por demonstrar não serem de fato avessas a ele), mas sim a capacidade que possuem de questioná-lo e problematizá-lo como coisa humana, social, portanto livremente reinventável. O que se percebe aí é uma crítica ao casamento compulsório, sem que isso signifique uma negação do amor conjugal.
Os personagens masculinos de maior destaque na trama são os amigos Rupert Birkin e Gerald Crich, que despertam interesse em Úrsula e Gudrun, respectivamente. Nos embates entre essas quatro personalidades estão algumas das mais instigantes discussões do livro, que, diga-se, é rico em diálogos bem estruturados. Alguns leitores talvez os julguem excessivos, mas me inclino a considerá-los proveitosos para o texto. Acho isso justamente por nunca serem conclusivos, o que é bastante adequado para um escrito literário. Por mais repleto de ideias que seja um romance, ele não pode se transformar numa peça doutrinária, sob pena de comprometer sua qualidade artística.
Em Mulheres Apaixonadas as ideias estão lá, fervilhando, mas não nos são entregues de bandeja. Muitas são bem difíceis de decodificar. Às vezes pensamos: “o que diabos esse personagem quer dizer?”. Antes de nos julgarmos burros, vale notar que algumas outras figuras da história também não entenderam e só negaram o que foi dito para não confessar desconhecimento sobre o assunto. Os artifícios de linguagem usados em especial por Rupert Birkin são fascinantes mas – ao mesmo tempo – bem pouco efetivos para demonstrar com objetividade seu pensamento. Numa passagem, suas cartas chegam a ser motivo de piada por alguns personagens de espírito medíocre.
E foi também um outro tipo de espírito medíocre que atacou o romance por trechos considerados excessivamente sensuais, como o capítulo 20. Este narra o momento em que os amigos Gerald e Rupert lutam judô despidos. Cabe nos perguntarmos: por que se chocar com tão pouco? Por que não se escandalizam com a falta de leitura, com o falso moralismo, com as nossas hipocrisias sociais?
Apesar de não ser o melhor de D.H. Lawrence, vale a pena ler Mulheres apaixonadas: um belo golpe de judô nas chatices puritanas.