Considerado pela crítica como uma espécie de Guerra e Paz brasileiro, pela sua diversidade de personagens e seu caráter épico.
A premissa do romance é simples: um senhor idoso, negro, caminha da festa da Casa-Grande das Minas até sua casa; quando ele entra num bar para comprar cigarro, se depara com dois corpos assassinados e deixa rapidamente o local, com medo de se tornar suspeito do crime; durante o longo percurso até sua casa, onde está para nascer seu trineto, Damião relembra fragmentos de sua história. Nisso, o autor preenche mais de 500 páginas, recheadas de diversos personagens, figuras históricas e situações da época da escravidão, tudo sob a perspectiva do protagonista Damião. Ao final, tudo se encaixa magistralmente, fechando o ciclo narrativo.
Josué Montello consegue construir um personagem humano, verossímil: heroico, porém imperfeito. Damião é um negro corajoso, mas que vive seus momentos de crise e por várias vezes condena seu próprio comportamento passivo em relação à situação dos negros, até que encontra seu caminho. Inspirado pela figura do pai, líder quilombola que morre lutando pela liberdade, Damião, com certa dose de sorte e inteligência, consegue se livrar do cativeiro e ter a oportunidade de estudar, ascender socialmente. Ele é acolhido por um bondoso bispo de São Luís e estuda para ser padre. Sofre duro preconceito devido à sua cor, não chega a vestir a batina, mas se torna professor de latim e jornalista. O personagem se sente culpado por trabalhar para os brancos, não fazendo nada pela causa negra, toma atitudes impensadas, como discursar contra a escravidão no colégio em que ensina, é despedido e entra em um estado de letargia, entregando-se a uma vida boêmia. Finalmente, orientado por alguns amigos, consegue se reerguer e usar a sua inteligência a favor de seus companheiros escravos, como pretendia, tornando-se uma espécie de advogado das causas dos negros.
Ao longo de sua saga, Damião se depara com uma variedade de personagens fortes, reais e fictícios, como a louca Nhá Biló, filha do senhor de engenho que se apaixona por ele, o amigo padre mulato Policarpo, a doceira Genoveva Pia, que ajuda os escravos a fugir, a severa Donana Jansen, dona de escravos conhecida por sua crueldade nos castigos, personagem que realmente existiu, o poeta idealista Sousândrade, outra figura real, o escravo com alma de homem livre Barão e a sensual mulata Benigna, com quem Damião acaba se envolvendo posteriormente. O absurdo do quadro da escravidão no Brasil é delatado sem pudores, mostrando como a população encarava com naturalidade a escravidão, pois era mais cômodo fechar os olhos às atrocidades cometidas. Da mesma maneira, a abolição acabou sendo uma onda de euforia política que concretamente pouco adiantou, deixando os negros totalmente marginalizados na sociedade. Em meio à dor das experiências próprias e de seus companheiros de raça, Damião tenta tocar sua vida, com dramas também comuns, familiares, amorosos, humanos.
O romance se utiliza muito bem de vários recursos narrativos, como os constantes saltos temporais, os discursos indiretos livres, e envolve o leitor num enredo emocionante. Os tambores de São Luís tocam e somos tentados a dançar ao som de sua melodia, nos deixando levar pela aventura épica de Damião.