O livro The Warriors, de Sol Yurick, que inspirou o filme homônimo, possibilita uma reflexão sobre o mito da civilidade, ou melhor, expõe o quanto ainda somos selvagens
Clássico do cinema do fim da década de setenta, The Warriors foi reprisado na televisão brasileira de forma a transcender o seu tempo. O que nem todos sabem é o fato de o filme se basear em um livro, de mesmo título, escrito por Sol Yurick.
A premissa é básica. Oriundos de Coney Island, em Nova Iorque, seis representantes (guerreiros) de uma pequena gangue de adolescentes se dirigem ao Bronx para um encontro convocado por Ismael Rivera, líder de um dos maiores grupos da cidade. Entre eles, Hinton, um membro de poucos meses dos Warriors – a partir de quem, de seu ponto de vista, acompanharemos boa parte da história. O autor vai nos mostrando a ação de várias gangues se dirigindo ao ponto de encontro, onde deveriam chegar desarmados, graças a uma trégua negociada. No escuro de um parque, a única área iluminada é o centro cercado por lanternas, no qual Rivera aparece para seu discurso. Inflamado, compara os números das gangues, bastante superior à quantidade de tiras na cidade. Em resumo, convoca uma união, apresentando as coisas desta forma:
“Ele [Ismael Rivera] lhes disse que todos estavam perdidos, desde o princípio até agora, e estariam perdidos até suas mortes. Se dessem sorte, morreriam rápido, se não dessem, se arrastariam pelo resto da vida, cercados de crianças, como seus pais, sendo nada mais que sujeitos desprezados e mão de obra barata para o sistema.” (pg. 100).
Quem acha que a “selvageria” do livro de Sol Yurick ganhará uma motivação no episódio que principia a trama, engana-se. A “contra-civilidade” está apenas começando.
Rivera é morto em pleno discurso.
Um tiro vindo da escuridão mata qualquer esperança de uma “união que levaria à força”. Nada de ideais bonitinhos ou politicamente corretos. Lembrem-se: não é um livro que acompanha tendências facebookianas de achar que tudo vai dar certo, ou que o ser humano é incrível e positivo. Com a queda do líder que os inspiraria à união e a chegada da polícia, as gangues se espalham e uma confusão se arma.
O restante do livro – apresentamos aqui só o gatilho inicial – constrói-se em cima do retorno dos Warriors à sua sede em Coney Island, sendo que o líder, Papa Hector, foi pego pela multidão e a trégua foi rompida, ou seja, em cada esquina se encontra um perigo. Nada mais atual, neste sentido.
O que parece injustificável é que estes rapazes agridam uns aos outros, violentem a garota de outra gangue, ataquem e estuprem uma mulher bêbada em uma praça, invadam o território de outro grupo (já próximos de sua sede) e, nosso protagonista, Hinton, acabe com a frase exultante: “Ser um homem era tudo isso?, Hinton ponderou enquanto corria. Era assim que alguém se transformava num líder, um pai?” (pg. 260)
Alguém dirá ser mera obra da ficção. Será? Até que ponto? Parece-me mais que sob camadas e camadas de civilização se esconde o animal que há dentro de nós, o selvagem à espreita, apenas aguardando a oportunidade certa para mostrar suas garras.
The Warriors, de Sol Yurick, parece confirmar isso.
É um livro que se lê pela maneira hábil com que o autor conduz a história, erigindo e escondendo muito bem a trama sobre obras literárias como Anábase, de Xenofonte, e os livros de Albert Camus, conforme apontado pelo escritor no ensaio que antecede o romance. Um romance, aliás, contraindicado para pessoas que acreditam num mundo melhor e não querem ferir suas crenças.
Melhor não sabermos que há um selvagem no interior de cada um de nós.