De volta às memórias em O Oceano No Fim Do Caminho, de Neil Gaiman – Vilto Reis

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Certo, fazia tempo que eu não falava de Neil Gaiman, um dos poucos autores de fantasia que quando leio, tenho a sensação de escrever fantasia “pura”, para adultos. O que Martin faz, por exemplo, é mais um mundo medieval do que propriamente uma fantasia, digo isso sem demérito nenhum. Mas em Gaiman, a fantasia do tipo Alice, parece ser colocada numa categoria adulta contemporânea, já que não se pode afirmar que a obra de Lewis Caroll é infantil.

O Oceano No Fim Do Caminho começa como, quase, todos os romances de Gaiman; com um personagem cinza, extremamente apático. O protagonista sai de um enterro, toma uma estradinha dirigindo sem saber para onde, até que se dá conta que está em frente ao local onde ficava sua casa de infância. Acelera o carro e vai até o fim do caminho, da rua, até a fazenda dos Hempstock. Deixa o carro, caminha até a porta e bate. Depois dum tempo, uma velha senhora atende; e ele começa a lembrar de tudo, até da neta da mulher à sua frente, a menina Lettie. O homem recorda sua infância, mesmo do laguinho atrás da casa dos Hempstock, que Lettie afirmava ser um oceano.

“Não me lembro de jamais haver perguntado a nenhuma das crianças da minha turma no colégio o motivo de não terem ido à minha festa. Eu não precisava perguntar. Eles não eram meus amigos, na verdade. Eram apenas as pessoas com quem eu estudava.
Eu fazia amigos devagar, quando os fazia”.

 

o-oceano-no-fim-do-caminhoQuem leu o livro sabe que não passei do prólogo em meu breve relato sobre o início da história. E ajo assim de propósito, pois é um livro que apesar de fino – sim, eu me frustrei quando o peguei em mãos, queria mais páginas de Gaiman – tem várias daquelas passagens estranhas que o autor britânico é tão hábil em construir. Muitas vezes taxado de mero reprodutor de outras obras, por produzir uma literatura muito referencial, em O Oceano No Fim Do Caminho, ele não deixa nenhuma referência clara.

A família Hempstock, além da avó, ainda tem Ginnie, a mãe de Lettie. É para a fazenda deles que o pequeno menino, com apenas sete anos, vai quando percebe algo de muito estranho em sua casa, a nova governanta, Ursula Monkton.

É interessante como Gaiman se usa de situações comuns da infância para inserir sua fantasia. Tímido, aventureiro e leitor, o protagonista do livro gera uma identificação rápida, pois muitos de nós já passamos por situações como a daquele menino. Há um diálogo no livro em que cita-se o fato de os adultos serem adultos apenas por fora, por dentro ainda são crianças, com seus medos, suas ilusões. A isso se presta a fantasia de Gaiman, falar dos problemas adultos, ainda que sob a ótica de uma criança.

“- Ninguém realmente se parece por fora com o que é de fato por dentro. Nem você. Nem eu. As pessoas são muito mais complicadas que isso. É assim com todo mundo.”

Para quem ainda não está acostumado com o autor, Gaiman não tem pressa em criar um ambiente de ação, seus inícios são lentos, propositalmente, para que o leitor possa imergir nos personagens.

O grande defeito do livro é ser muito curto, mas muitos consideram este detalhe um bom presságio.

Recomendo a leitura.

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