Graphic novel de Daniel Galera e Rafael Coutinho, Cachalote levanta questionamentos sobre “os limites”.
Um astro de cinema chinês vem ao Brasil para fazer um filme. Um playboy erra pela Europa em busca de um objetivo. Um escultor endurecido pela sua arte é perseguido por um diretor de cinema alternativo. Um homem com um fetiche diferente teme que a concretização de sua tara faça perder quem mais ama. E um escritor foge de sua profissão embora encare a ex-mulher ignorando o passado. Estas são as histórias de Cachalote, de Daniel Galera, uma teia de fios narrativos que nunca se tocam, embora o leitor se prenda a elas.
Exatamente, as histórias nunca se tocam, apenas vão sendo contadas, alternando-se entre si.
Mas por que foram publicadas em um mesmo volume?
É o que cabe ao leitor encontrar, a unidade temática que as une. Se alguém for escrever um livro sobre “a verdade”, talvez a coisa mais inteligente a se fazer seja nunca incluir a palavra “verdade” na narrativa. Da mesma forma, o que funde as histórias em uma continuidade, segundo penso, é a discussão sobre os “limites”. Não que o autor pare em algum momento e explique isso, apenas proponho que se pense a respeito.
Xu, o ator chinês, faz escândalos em todos os lugares que vai, não liga mais, seus limites foram eliminados. Quando veste uma camisa da Seleção Brasileira ou a máscara do Batman, fica evidente que sua identidade está desfigurada. Pensemos em Hermes, o escultor, cuja personalidade de pedra são os limites que, em certa parte da revista, serão removidos como se sua vida toda confluísse para aquele momento. Ricardo Aurélio, o playboy, procura um limite, algo em que investir sua vontade, uma busca que o lançará em mais confusões e erros, porém que servirá de caminho até o ponto final que procura. Vitório, o vendedor que possui o fetiche, conhece aquilo que o leva ao limite, mas sua compreensão de si mesmo é abalada quando encontra uma pessoa que não quer ferir, alguém por quem se apaixona. Em Túlio, o escritor, vemos alguém que não controla mais seu limite, ou talvez tenha medo de se arriscar por desconhecer onde ele fica.
Nosso comportamento, nossa fala, nossas escolhas estão todas ligadas a uma certa noção de limite, ainda que cada um tenha o seu próprio. Cachalote mostra isso.
Aos leitores de Daniel Galera, é preciso que se diga que a graphic novel Cachalote pouco lembra as histórias de seus romances – talvez um pouco ideologicamente. Parece muito mais dialogar com os contos de Dentes Guardados, sua primeira publicação.
Aos não leitores de Galera, recomendo que comecem pelos romances, onde os enredos têm por objetivo ter um amarramento, diferente do que se supõe desta graphic novel.
Li todos os livros do escritor e, depois de Cachalote, não resta mais nada. Ainda assim, ao nomear esta resenha, não me referia a essa minha condição. Assim que finalizei a graphic novel, fui tomado por uma sensação de alheamento. “Não resta mais nada” foi a frase que ficou em minha mente e não sei explicar o porquê.
Minha teoria de “os limites” serem o tema de Cachalote é somente uma das interpretações possíveis.
No entanto, eu sobrevivi.