Descontextualizando: A vizinha da casa 80 – Desiree Perrone

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-Eu quero mais é saber dos livros que vou ler durante o ano, do que da vida dos outros.

E foi assim, que calou-se uma reunião de condomínio. A velhinha da casa 80, que nunca se pronunciara, que nunca falara com ninguém, gritou a altos brados essa sentença. Espantou-se todos. Ficaram mudas as bocas. Não havia o que contestar. Não havia o que ser dito diante de tal verdade. Ela não queria saber da vida alheia, a não ser da vida de seus personagens.

A velhinha morava sozinha, numa casa de pouco mais de 50 metros quadrados. Tinha um gato, um cachorro e seus livros. Viam-a sempre nas alamedas do condomínio. E sempre empunhava um livro. Pouco dava bom dia. Pouco falava, quando falava. Seu nome, Dona Litéria. Mais propício impossível. Comentários rolavam de que fora seu pai o causador dessa adoração por livros. O causador dela viver nesse mundo paralelo.

Ela não se importava com os demais. Não fazia diferença na vida dela, se a vizinha dormia até tarde. Se os casais brigavam. Os diz que me disse comuns em convivências tão próximas. Não, isso não chamava atenção da dona Litéria. Ela tinha nas mãos algo muito mais interessante. Romances proibidos, assassinatos em séries, triângulos amorosos. Ela queria apenas saber dessas vidas, e nada mais. Difícil, para seus vizinhos entenderem. Mas, dona Litéria pouco se importava. E no fim, era sua vida, aparentemente tão sem graça, que se tornou motivo de comentários daquele lugar.

Aos poucos, as crianças sentavam-se ao redor dela para lhe ouvir, sobre suas histórias fantásticas, de seus universos fantásticos. As crianças passavam para seus pais suas histórias e assim, o condomínio de dona Litéria, acabou virando um imenso aglomerado de pessoas literatas. E reinou a literatura. Salve para a Dona Litéria!!!

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Texto extraído e adaptado de um exercício de confecção de micro-conto da aula da cadeira de Literatura Brasileira, da faculdade de Letras.

 
 

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