Devolvam Sarney à mortalidade

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Cartoon de Millôr Fernandes

 
Com o caos no Maranhão, que tomou as manchetes nas últimas semanas, lembrei que José Sarney (o responsável por fazer do estado maranhense capitania hereditária e prova cabal do discurso do escritor Luiz Ruffato, em Frankfurt) é imortal de fardão. Ocupa, desde 1980, a cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Letras, em sucessão a José Américo de Almeida.

Corri aos sebos em busca de um dos livros de Sarney, que no ano passado teve até direito a seminário sobre a sua obra, promovido pela Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB), em parceria com a Academia Maranhense de Letras (AML). Encontrei Brejal dos Guajas e Outras Histórias, a preço de banana.  O que eu achei? Fiquei com a mesma impressão do Millôr, que no fim da década de 1980, desancou o livro, quando Sir Ney, como ele o chamava, presidia o Brasil, após a morte de Tancredo Neves.

Na época, Millôr escreveu uma série de notas sobre o livro. Uma delas reproduzo aqui:

“Fiquei estarrecido. Não se pode confiar o destino de um povo, sobretudo neste momento especialmente difícil, a um homem que escreve isso. Não tendo no cérebro os dois bits mínimos para orientá-lo na concordância entre sujeito e verbo, entre frase e frase, entre idéia e idéia, como exigir dele um programa de governo coerente pelo menos por 24 horas?”

Lá vai outra:

“Não escrevi imediatamente sobre o livro por uma questão de… piedade. Mas agora, depois da jogada de gigantesca corrupção em que, como medíocre ditador, troca esperança de 140 milhões de brasileiras e brasileiros por mais um ano de sua gloríola regada a jerimum, começo uma pequena análise dessa ópera de 50 páginas. Esclareço logo que não se trata de um caso de má, ou até mesmo péssima, literatura, de uma opinião malévola ou discutível. Em qualquer país civilizado Brejal dos Guajas seria motivos para impeachment.”

Millôr ainda afirma que “Brejal dos Guajas só pode ser considerado um livro porque, na definição da Unesco, livro ‘é uma publicação impressa não-periódica com um mínimo de 49 páginas’. O Brejal tem 50.” Eu, muito mais do que o Millôr, posso estar errado em minha avaliação. Posso até ter lido o livro do “nobre” senador do PMDB/AP com má vontade e/ou num mau dia. Por isso, quem não concordar, por favor, faça as suas objeções. Pode ser injusto julgar a obra de um escritor apenas por um livro – mesmo o escriba sendo o Sarney, que, a meu ver, não deveria receber o mínimo de consideração por parte da população brasileira, assim como outras figuras públicas.

Mas se a arte literária de Sir Ney pode gerar opiniões controversas, não creio que haja alguém em sã consciência, fora os familiares e aliados de plantão, que defendam a obra política sarnesiana. E  pelo conjunto do feito, que em males suplanta qualquer mérito literário que os livros de Sarney possam ter (eu duvido),  o literato merece ser destituído do mais cobiçado silogeu das letras brasileiras. Acho que deveria haver uma regra na ABL que seria a seguinte: o imortal seria devolvido à mortalidade caso pilhasse um estado desde 1966, deixando-o no penúltimo lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com uma população com o menor índice de expectativa de vida do Brasil, com 68,7 anos – homens, 65, e mulheres, 72,7 anos -; com 20,8% das pessoas analfabetas; com a segunda pior taxa de mortalidade infantil do país, com 29 crianças com menos de um ano mortas para cada mil nascidas vivas; com apenas 6,5% dos municípios com rede de esgoto; com a mais baixa proporção de médicos por cada mil habitantes; tendo 20 das 100 piores cidades (tendo três delas a pior renda per capita) do país e nenhuma entre as melhores, entre outras calamidades.  Vou sugerir à ABL. O que acham?

Será que procuro sarna para me coçar?!

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