Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902. Era farmacêutico, por insistência familiar e depois se tornou funcionário público. Casou-se, foi pai, construiu uma vida normal. Inquieto com a possibilidade da criação artística, tornou-se poeta. Ai é que Drummond não é mais apenas o homem comum. Ele é poeta. Tornara-se o elo entre o mundo dos homens e o imaginário que vive do outro lado da página dos livros.
Em 1928 Drummond publica No meio do caminho tinha uma pedra, na Revista de Antropofagia de São Paulo. Tremendamente criticado, pelo tema, pela forma, pelas repetições, o poema tornou-se o símbolo da poética do autor. Mais tarde, em 1930, já se caracterizando como um poeta modernista, ele publica Alguma poesia, livro onde está O poema de sete faces, matéria sempre viva na cronologia de Drummond.
Seus poemas são caminhos para as questões de caráter social, a visão negativa do mundo e o medo da morte, a solidariedade e o afeto entre os homens, o cotidiano em todos os seus desdobramentos, a ternura, o amor, a vida e a saudade de um tempo distante. É a vida que perpassa a poesia de Drummond.
Suas construções poéticas são repletas de imagens de “grande potência c comunicativa”, como coloca Samuel Tristan Jr. A poesia de Drummond vibra, se expande, se coloca na vida do leitor como uma permanente possibilidade de mundo, de jogo, de compreensão do que já vivemos ou do que ainda é “ânsia expectante” de conjunção entre os seres.
Luminosa, a poesia de Drummond preenche os vazios do cotidiano, como se cada leitura de seus poemas fosse uma reviravolta particular de cada leitor. A máquina do mundo expõe como ferida aberta e sangrando o que a humanidade é, o que ela propõe como universo de suas ações. O homem diante da máquina é o homem diante de si mesmo.
Feita por Vagn, publicada no “Jornal do Brasil”, em 7 de Junho de 1969. A charge foi inspirada na poesia “No Meio do Caminho”, do poeta Carlos Drummond de Andrade.
O lirismo do poeta mineiro se espalha pela urbe, pelo campo, pelas entranhas de bichos e homens, pelas folhas de plantas e sumos de frutas. Vertiginosa, a poesia de Drummond coloca o leitor à beira do abismo do entendimento: permanecer imóvel é deixar a vida passar, o amor passar, o tempo moer os ossos; jogar-se é enfrentar-se no fundo do abismo, entender a poesia e a vida, o sentimento do mundo, a verdade sobre o homem e as coisas.
Meticuloso, Drummond abre caminhos para o entendimento, para o encaixe entre o homem e poesia. Ele não se coloca como mediador entre os homens e o mundo, mas ele coloca no mundo a poesia para os homens.
Certa vez li que o gênero lírico é o da recordação. Não a da memória, essa de lembrar-se do passado, isso é saudosismo, às vezes nostalgia. Falo da recordação que está ligada ao coração, do latim recordare, dar corda novamente ao coração, “esse comboio de corda”, como disse Fernando Pessoa. Assim, quando lemos um poema, associamos o que é colocado pelo eu-lírico ao que sentimos. Poesia é associação de mundos, de imaginários. Permitimo-nos conhecer a poesia através do que esperamos dela.
Essa é a experiência em Drummond, estamos sempre dando corda no coração, impulsionando nosso entendimento de mundo, colocando-nos a prova.
Marco Luchesi, na introdução de umas das antologias da obra de Drummond, diz que nos apropriamos dos poemas do autor para as nossas vidas: “boa parte de nossa forma de sofrer o mundo já se tornou drummondiana”. Então eu pergunto, quem não quis continuar a história de Quadrilha, ver e experimentar A Máquina do mundo, ser gauche na vida? Todos temos um poema de Drummond que se alojou em nossa vida.
Comemora-se em outubro, um mês de delicadezas e medos, o aniversário de Drummond, é chamado o Dia D. Assim, mesmo: dia de Drummond, e em todo lado fala-se dele, de sua poética, de suas construções e permanência. Mas todo dia é dia de Drummond, de entender o mundo, de amar a sofrível possibilidade do amor, amar o torto, o reto, a poesia e a prosa e angústia nossa de mais e mais poesia, de mais e mais literatura que nos sacie o espírito. Também é outubro mês de Vinicius de Moraes, amigo de Drummond. Para ele, fez um poema para lá de contemplativo da existência. E é com ele que eu termino meu texto, mas antes eu preciso te perguntar leitor: topa ser gauche na vida? Topa buscar o sentimento do mundo? Eu já topei. Viva o Dia D.
Retrato de Carlos Drummond de Andrade
Vinicius de Moraes
Duas da manhã: abro uma gaveta
Com um gesto sem finalidade
E dou com o retrato do poeta
Carlos Drummond de Andrade.
Seus olhos nem por um segundo
Piscam; o poeta me encara
E eu vejo pela sua cara
Que ele devia estar sofrendo
Dentro daquela gaveta há muito.
Tiro-o, depois com mão amiga
Limpo-o da poeira que lhe embaça
Os óculos e suja-lhe a camisa
E o poeta como que acha graça
Procuro um lugar para instalá-lo
Na minha pequena sala fria
Essa sala tão sem poesia
Onde me reencontro todo dia
E onde me sento e onde me calo.